Título: Nobel da Paz assume Defesa em Timor Leste
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2006, Internacional, p. A33

Ramos Horta diz que talvez seja o único em condições de 'curar as feridas' entre militares, polícia e sociedade

O Nobel da Paz de 1996 e chanceler de Timor Leste, José Ramos Horta, assumiu ontem o Ministério da Defesa, com o objetivo de restabelecer a unidade das Forças Armadas e pôr fim à violência que sacode o país. "Sou o único que talvez possa curar as feridas entre as Forças Armadas, a polícia e a sociedade", declarou. Os ministros da Defesa e do Interior renunciaram quarta-feira, após assumirem a culpa por não conseguirem evitar a violência.

Novos saques e confrontos entre gangues ocorreram ontem em Díli. O comandante das forças de pacificação australianas em Timor Leste, brigadeiro Mick Slater, disse haver sinais de que parte da violência tem sido "coordenada por trás dos panos". No entanto, não identificou quem poderia estar organizando os ataques. Se a interferência for estrangeira, um dos principais suspeitos seria a Indonésia. Se a coordenação for interna, seriam grupos interessados em derrubar o governo.

Slater também disse que as condições ainda não são adequadas para reunir as partes envolvidas na crise para conversações de paz. Ele se reuniu ontem com o tenente Alfredo Reinaldo, que liderou 600 soldados rebelados nos confrontos com as forças de segurança do governo no mês passado. Esses soldados, na maioria recrutas, foram demitidos por deserção após realizarem uma greve contra o que qualificaram de discriminação e maus-tratos por parte dos militares mais antigos. Reinaldo diz que só a saída do primeiro-ministro Mari Alkatiri solucionará a crise. Mas Alkatiri diz que não pensa em sair e culpa ex-membros das milícias pró-Indonésia que devastaram Timor Leste em 1999 (após o referendo que aprovou a independência) por parte dos ataques.

A crise começou com os recrutas demitidos atacando os quartéis da polícia. A força policial, aterrorizada, acabou ficando fragmentada. O Exército, já dividido, ficou ainda mais desacreditado. Aproveitando a crise na segurança, gangues de timorenses loromonos (pró-Indonésia) e lorosaes (que lutaram pela independência) tomaram as ruas de Díli, confrontando-se e promovendo saques. Em meio à violência, que já deixou 28 mortos, o governo pediu na semana passada a intervenção de uma força internacional, liderada pela Austrália.

Na noite de ontem, com medo dos ataques, 40 mulheres e crianças se amontoaram para dormir na casa de 200 m2 do frei Vicente no bairro de Becora. Na noite anterior, eram 100. "As coisas estão ficando mais calmas em Becora, porque o principal local dos conflitos passou daqui para Komoro, onde fica o QG da polícia", disse Vicente, de 72 anos, gaúcho de Canudos do Vale. "O bairro de Becora fica no morro, não tem estradas. Como os soldados têm equipamento pesado, quando eles chegam, os jovens das gangues já fugiram", diz o frade, que vive há 3 anos no paí.