Título: Chávez marcou campanha no Peru
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2006, Internacional, p. A28

Presidente da Venezuela foi um dos principais temas da disputa entre Ollanta Humala e Alan García

A campanha para o segundo turno da eleição peruana, amanhã, acaba como começou. Numa sucessão de insultos, acusações e centrada, principalmente, em um personagem que está fora do Peru: o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Um pouco atrás dele na lista de ofensas ficou o ex-presidente peruano, Alberto Fujimori, em liberdade condicional no Chile.

A guerra suja foi marcada pelo uso da internet, com milhares de e-mails falsos senso divulgados pelos partidários dos dois candidatos. A disputa, no entanto, não se restringiu às armas virtuais. Na semana passada, militantes do Partido Aprista Peruano, do candidato Alan García, dispararam contra seguidores do nacionalista Ollanta Humala em Cuzco, no sul do país. Na quinta-feira, segundo Humala, um grupo ligado a García espancou um dirigente local de sua campanha em Ayacucho, no centro-sul.

"Acusações levianas e ofensas pessoais não são novidade no Peru, onde todas as campanhas eleitorais seguem esse padrão pouco democrático", diz o titular da cadeira de Sociologia da Universidade Católica de Lima, Alberto Salazar. "Mas desta vez os candidatos estão passando a linha vermelha e o processo tem um perigoso viés de violência." Sem contar que o predomínio das denúncias falsas e da campanha negativa, na qual o objetivo é eleger-se pela desqualificação do adversário, é um indicador claro de que nenhum dos dois tem um projeto viável de desenvolvimento do país. "O que se viu na campanha, não permite aos peruanos ter uma boa perspectiva sobre as ações de seu próximo presidente", conclui o professor.

O apoio explícito de Chávez a Humala deu o tom da campanha para o segundo turno. O presidente venezuelano chamou García de "ladrão" e foi xingado de "sem-vergonha". A polêmica também envolveu o atual presidente Alejandro Toledo, e Venezuela e Peru acabaram chamando seus embaixadores de volta, deixando a relação entre os dois países estremecida até hoje.

A campanha de García denunciou nesta semana a chegada de um avião venezuelano a Tacna, que estaria lotado de agentes de Chávez com a missão de tumultuar a eleição. No dia seguinte, constatou-se que o avião só trazia peruanos, que tinham ido a Caracas para realizar operações de catarata - beneficiados por um programa assistencialista que o governo venezuelano estende a todos os países da região.

Na quarta-feira, em Caracas, um oficial da reserva do Exército venezuelano dizia ter provas de que Chávez enviou a Humala um cheque de US$ 660 mil para financiar sua campanha. Os jornais de Lima fizeram estardalhaço sobre o caso. Mas as tais provas, se existem, ainda não apareceram.

Em desvantagem nas pesquisas, Humala insinuou na semana passada que o governo Toledo preparava uma fraude eleitoral para beneficiar García - que acusou o nacionalista de estar buscando um pretexto para contestar por meios armados o resultado eleitoral. E-mails apresentados por Humala que, segundo ele, provariam um acordo entre os apristas e Fujimori foram submetidos a perícia. Eram falsos.

Outros e-mails, desta vez apresentados por García, vinculariam membros da equipe de campanha de Humala com o Sendero e com o ex-chefe de inteligência de Fujimori, Vladimiro Montesinos, preso por várias acusações de corrupção e violação de direitos humanos. Montesinos, por sua vez, lançou um livro acusando Humala de ser instrumento de Venezuela e Cuba.

"A mensagem da campanha para o segundo turno foi: 'vote em mim, pois meu adversário é pior do que eu'", diz o diretor da Radioprogramas de Peru, Raúl Vargas. "Essa, hoje, é nossa sina e será a nossa realidade após a posse, em 28 de julho."

A trajetória política tanto de Humala quanto de García deixa muitos flancos abertos, o que facilita os ataques. O nacionalista, que ganhou notoriedade após uma rebelião militar contra Fujimori, em 2000, e vem de uma família cujos membros costumam fazer declarações polêmicas e pouco democráticas, é suspeito de ter cometido violações de direitos humanos quando era militar da ativa. Para completar, aproximou-se de Chávez - uma figura malvista pelos peruanos. Por seu lado, García liderou o mais desastroso governo da história recente do país, que mergulhou o Peru na hiperinflação e no terror do grupo Sendero Luminoso.

ACUSAÇÕES Hugo Chávez - O nacionalista Ollanta Humala é apontado por Alan García como títere do presidente venezuelano

Cheque - Militar da reserva da Venezuela diz ter provas de que Humala recebeu US$ 660 mil de Chávez

Montesinos - Ex-chefe de inteligência lança livro acusando Humala de ser instrumento de Venezuela e Cuba

E-mail - Humala apresenta e-mails (falsos) que provariam vínculos entre García e Fujimori

Assessor - García aponta assessor de Humala como porta-voz do Sendero Luminoso

Infiltração - García denuncia presença de "infiltrados" venezuelanos para sabotar eleição