Título: Enquanto Brasil se recupera, a crise se agrava na Turquia
Autor: Beatriz Abreu, Fabio Graner
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2006, Economia & Negócios, p. B4

Piora inicial foi igual, mas melhores fundamentos acabaram prevalecendo

De 5 a 24 de maio, a cotação do real saiu de R$ 2,06 para R$ 2,40, numa desvalorização de 14,2%. No mesmo período, a lira turca saiu de US$ 1,32 para US$ 1,56, desvalorizando-se em 15,7%, numa perda de valor próxima à do real. Nos dois casos, a depreciação foi fortíssima para os padrões normais de flutuação cambial.

Mas o que mais surpreendeu os analistas foi o paralelismo do efeito da turbulência internacional nas moedas brasileira e turca. Afinal, os fundamentos externos do Brasil parecem bem mais sólidos, com superávit em conta corrente de cerca de 1,8% do PIB, comparado com um déficit superior a 6% da Turquia.

Gino Olivares, economista-chefe do Opportunity Asset Management, observa que a reação inicial dos mercados foi muito parecida nos dois países, mas enquanto no Brasil o dólar voltou a recuar, junto com os juros, na Turquia a situação se agravou. Para ele, a turbulência das últimas semanas mostrou que o regime de flutuação cambial no Brasil está funcionando de forma muito saudável , e que os fundamentos externos do País são bem superiores aos da Turquia.

Ontem, a lira turca fechou em US$ 1,61, levando a desvalorização desde o dia 5 para 18%. No Brasil, o real fechou na sexta-feira a R$ 2,28, reduzindo a desvalorização desde o dia 5 de maio para 9,6%. O mais significativo, porém, do ponto de vista de impacto na economia, ocorreu no mercado de juros. Entre os dias 5 e 24 de maio, o swap de 360 dias - parâmetro do mercado privado de juros no Brasil - subiu de 14,7% para 16,1%%, uma alta de 1,4 ponto porcentual. No caso da Turquia, no mesmo período, os juros de um ano saíram de 14,2% para 14,9%, uma elevação de 0,7 ponto porcentual, metade da brasileira. Na última sexta-feira, porém, enquanto o swap brasileiro já havia recuado para 15,31%, ou 0,6 ponto porcentual acima do nível do início da turbulência, o juro de um ano turco disparava para 16,9%, num salto de 2,7 ponto porcentual desde 5 de maio.

A grande desvalorização da lira representa um sério fator inflacionário para a Turquia, que já está com problemas nessa questão. A inflação de 1,88% em maio foi descrita em um relatório do Deutsche Bank como "incomparavelmente acima das estimativas consensuais, incluindo as nossas, entre 0,87% e 0,93%". Os analistas já prevêem que a taxa básica turca tenha de subir do nível atual de 13,25%. Já no Brasil, as expectativas inflacionárias praticamente não se mexeram com a turbulência, e, com a volatilidade ainda em alta no mercado, o Banco Central (BC) reduziu, na última quarta-feira, a Selic, a taxa básica, de 15,75% para 15,25%.

No caso brasileiro, observa Olivares, "o regime de câmbio funcionou exatamente como deveria, amortecendo os choques na economia". Em recente relatório sobre o o efeito da última turbulência no Brasil, o economista escreve que "a idéia fundamental por trás da adoção de um regime desse tipo (câmbio flutuante) é precisamente permitir que eventuais choques externos sejam absorvidos". Para Olivares, "um regime de câmbio flutuante que funciona corretamente não é aquele no qual a taxa não se mexe ou se mexe pouco, mas sim aquele no qual a taxa pode variar sem criar desequilíbrios na economia".