Título: É dando que não se recebe
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Espaço Aberto, p. A2

Na sua rodada atual, a política salarial do governo Lula para os servidores públicos federais merece o título acima, pois é um caríssimo amontoado de reajustes bem acima da inflação, às vezes concedidos por pressões dessa ou daquela categoria, inclusive mediante movimentos grevistas que o governo trata como se participasse deles. Tampouco se assenta nas normas de uma eficiente administração de salários, entre elas a de que a melhor remuneração deve premiar o desempenho funcional e, ainda, levar em conta o que pagam outros empregadores. Lembra também uma campanha publicitária que vi na televisão, anunciando prêmios para consumidores e repetindo exaustivamente o lema: ¿Dá, dá, dá.¿

Em 23 de junho, este jornal anunciou que a rodada beneficiará 1,7 milhão de servidores, com um reajuste médio de 12,5%, mais que o dobro da inflação nos 12 meses anteriores ou a prevista para o mesmo período no futuro. O custo estimado era de R$ 7,7 bilhões em base anual. Noutra reportagem, uma semana depois, para o mesmo número de servidores o custo subiu para R$ 10,8 bilhões, e em alguns casos o reajuste chegará a 52%, o que lembra novamente o ¿dá, dá, dá¿, pois alguns levam prêmios maiores.

O pacote também beneficia servidores aposentados e pensionistas, mas em enorme contraste com o reajuste dado aos 7,7 milhões que estão na folha do INSS e ganham acima do salário mínimo, muito menos que esses servidores. Como se sabe, esses 7,7 milhões tiveram um reajuste de apenas 5%, que o Congresso elevou para 16,67%, mas a medida, que custaria R$ 7 bilhões este ano, foi vetada por Lula sob a alegação de falta de dinheiro, que não faltou para essa ciranda de reajustes para os servidores federais.

Houvesse uma política salarial digna do nome, os reajustes seriam por carreiras e precedidos por cuidadosa análise de cargos e salários, baseada no princípio da isonomia salarial com o mercado de trabalho em geral, o que levaria à comparação de remunerações para cargos de responsabilidades e requisitos educacionais equivalentes, no governo e nesse mercado. Os cargos podem não corresponder à mesma atividade, mas essas responsabilidades e tais requisitos podem ser comparados. Dessa comparação resultaria uma lista de reajustes corretivos defensáveis, na medida em que se constatasse que o governo estivesse a pagar abaixo do mercado. Por que pagar mais ou pagar menos?

Mas não é isso o que acontece e as remunerações pagas aos servidores não resistem a uma análise criteriosa. E não é só no Executivo. O Congresso aprovou recentemente um reajuste médio de 15% para os funcionários da Câmara, inclusive os admitidos sem concurso. Nessa Casa, o salário médio mensal é de R$ 10 mil, o que já indica que seus servidores recebem bem acima do mercado. O pretexto foi o de equiparar as remunerações com as do Senado. Trata-se de uma aplicação limitada e indevida do princípio da isonomia, em que só se busca a que interessa aos servidores e a seus padrinhos políticos. Com isso são consagrados e ampliados inaceitáveis privilégios para esses servidores.

No Judiciário federal e no Ministério Público da União a situação também não é diferente, é até pior, pois essas duas áreas se destacam nos seus avanços salariais. Uma das razões, que também se aplica no Legislativo, é que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) lhes deu um limite de gastos com pessoal acima do que já vinham gastando, folga essa que virou pretexto para ampliar essas despesas. E mais: ao mesmo tempo os jornais noticiam que desembargadores dos judiciários estaduais prosseguem sua ofensiva para manter salários bem acima do teto individual de R$ 24,5 mil por mês, fixado por emenda constitucional. Quando um teto é conveniente, cheguemos a ele; quando outro não interessa, subamos nele, que vira piso.

De tamanha desordem salarial não se pode nem dizer que é o fim da picada. Não é o fim, pois a farra continua, custeada por uma carga fiscal que não pára de subir. E só é uma picada em cima e de modo permanente no coitado do contribuinte, indefeso diante desse quadro, pois os políticos que mal o representam são os que o tornam ainda mais grave.

Antes de concluir, uma observação: escrevi acima que os reajustes foram concedidos sem cobrança de desempenho, mas há uma ¿exceção¿. Para os auditores fiscais da Receita Federal, um dos grupos grevistas, o prêmio foi um aumento de mais de 100% na gratificação de desempenho que integra sua remuneração. O pagamento extra (¿só¿ R$ 1,25 bilhão em 2006), contudo, ficou condicionado a que a arrecadação federal termine o ano com R$ 6 bilhões acima da previsão anual.

Ora, como não houve aumento de alíquotas, se isso ocorrer, uma razão terá sido o crescimento da economia. Se uma parte vier do esforço adicional dos auditores, isso significará que por questões de má administração tributária a carga de impostos não vinha alcançando todo o seu potencial. E mais: a meta poderá ser atingida porque essa administração passará a ser exercida com maior rigor, com risco de excesso de zelo. Isso acontecendo, o já exaurido contribuinte será obrigado a tossir mais impostos, ficando as reclamações para intermináveis processos administrativos e judiciais. Assim, mesmo sem maiores alíquotas a carga deverá aumentar e você, caro leitor, mais uma vez pagará a conta dessa farra.

Vista do governo, a política é a do ¿eu dou, você paga¿. Na linguagem do presidente, duvido que exista outra nação onde a irresponsabilidade fiscal e o desrespeito ao contribuinte sejam tão grandes como neste país.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda