Título: O passado com sinal trocado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Longa vida têm os vícios da política. No governo passado, esta página não mediu palavras para condenar o comportamento do bloco parlamentar então encabeçado pelo PT. Querendo destruir a Presidência Fernando Henrique, sobretudo no segundo mandato, os petistas e seus aliados no Congresso mandaram às favas, na maioria esmagadora das votações, a elementar diferença entre oposição ao governante de turno e oposição ao interesse nacional. Uma parcela deles reconhece isso hoje publicamente. O fato é que, a rigor, a conduta da esquerda pura e burra na Câmara era o que dela se esperava, a julgar, quanto mais não fosse, pelo histórico petista de radicalismo irracional.

Outros, nem tão esquerdistas e muito menos tão puros, como ficaria provado à farta na era do mensalão, calculavam espertamente que o eventual fracasso da administração tucana e o desgaste do seu condutor pavimentariam o caminho para a eleição de Lula na quarta tentativa - e agiram de acordo. No poder, felizmente passaram a fazer muito do que antes verberavam, como nos casos da segunda reforma da Previdência e do equilíbrio fiscal. O que hoje se vê, em contrapartida, é o passado com sinal trocado: do outro lado da barricada, a fronda PSDB-PFL se comporta com idêntica irresponsabilidade: distanciamento do interesse nacional - e, no caso, negação de suas próprias convicções sobre a primazia da defesa das finanças públicas contra o oportunismo eleitoreiro.

Os fatos são inequívocos. Por medida provisória, o governo reajustou o salário mínimo em 16,67%, ficando reajustadas automaticamente na mesma proporção as aposentadorias pagas pelo INSS que não ultrapassam o piso salarial. Aos demais, o governo concedeu aumento de 5%. Hipocritamente, a oposição conseguiu estender o índice maior a todos os jubilados do sistema, sabendo de antemão que o presidente vetaria a manobra destinada a desgastá-lo eleitoralmente. Pouco se lhes daria se, fraquejando, Lula entrasse no jogo, o que abriria uma cratera de R$ 7 bilhões nas contas nacionais. Vencidos pelo veto, voltaram à carga.

Em vez de recuperar a consciência do bem comum - e a coerência doutrinária -, resolveram dobrar a aposta vexaminosa, mediante nova emenda de igual sentido, agora na Medida Provisória 291 em exame na Câmara. ¿Eu quero derrubar o Lula e voltar ao poder¿, disse sem rebuços o líder da minoria José Carlos Aleluia, do PFL baiano. ¿E quero que ele sofra o desgaste de vetar o reajuste dos aposentados.¿ Tamanha impudicícia zomba do eleitor que sabe que, se fosse trêfego, o presidente reajustaria o benefício dos velhinhos em 16,67% ou qualquer outro índice despropositado que lhe rendesse pencas de votos em outubro. E faz desejar que se ele tiver de sofrer desgastes, que não seja por isso.

Oposicionistas argumentam que faz parte da servidão de todo governo ter competência para formar maiorias parlamentares que assegurem a aprovação ao menos de suas iniciativas de vulto. É verdade - e a incompetência do Planalto nessa frente é mais clara que o sol do meio-dia. Mas é verdade também que toda oposição que se pretenda moderna deve estar ciente de que, nas sociedades democráticas, também ela integra as instituições de governo. Essa condição, da qual não podem se despir, obriga as bancadas oposicionistas a não ultrapassar a barreira entre, de um lado, a denúncia legítima do que entenderem ser os erros dos adversários no poder e o exercício também legítimo das pressões sobre eles, e, de outro, impedi-los de governar ou impor-lhes derrotas cujo preço será pago, de um modo ou de outro, pela coletividade.

Uma coisa é a oposição ir às últimas conseqüências em relação aos desmandos éticos do governo - o que esta preferiu não fazer -, muito outra é adotar uma espécie de petismo tardio contra o governante quando ele faz a coisa certa. O resultado dessa politicagem será mais paralisia legislativa. Na terça-feira, receosa de que a emenda dos 16,67% para todos passasse, a situação tirou o time e a sessão caiu por falta de quórum. A expectativa era de que repetisse a tática ontem. Mudando a relação de forças em plenário, a oposição imitará a base governista. A MP do reajuste dos aposentados caduca em 24 de agosto. Nesse mês haverá votações em 3 dias apenas. Não é portanto desprezível o risco de que os aposentados com mais de um salário mínimo percam até os 5% que já vêm recebendo.