Título: O moral das tropas
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2006, Nacional, p. A6

Exército oposicionista é maior, mas o governista está motivado, armado e com comando

A oposição não prega no vazio quando exibe suas possibilidades de alianças estaduais como um trunfo em relação ao adversário ora favorito. Não havendo uma improvável disparada do presidente Luiz Inácio da Silva nas pesquisas antes do fim do prazo da oficialização de alianças, ou seja, nos próximos 27 dias, tudo indica que Geraldo Alckmin terá mesmo palanques eleitorais de maior peso partidário e em quantidade superior aos de Lula.

Em tese, isso daria à chapa PSDB-PFL uma vantagem comparativa suficientemente boa para justificar a esperança tucano-pefelista numa boa melhorada das intenções de voto de Alckmin a partir de julho. Na prática, porém, essa condição só se traduz em supremacia se a tropa, além de cuidar da própria vida nos Estados, for motivada a empenhar esforços na campanha presidencial.

O cenário, hoje, não autoriza a oposição a abraçar essa hipótese otimista. O deputado ACM Neto (PFL-BA), dividido entre a certeza de que "Alckmin vence no final" e a visão crítica a respeito da montagem da campanha, faz um resumo que traduz bem a situação.

"Do nosso lado há um exército de 5 mil homens sem general, sem armas e sem vontade de brigar; do lado de lá a tropa é de 500 soldados, mas armados até os dentes, com o comandante dando ordens a todo o vapor e todos convencidos de que vão ganhar a guerra."

Na opinião dele, é essencial a oposição elevar o moral de sua tropa ao nível do entusiasmo do batalhão governista se quiser ter chance de recuperar o terreno perdido "no final do ano passado".

E por que se perderam os oposicionistas?

"Por causa do desprezo a três fatores: a capacidade de recuperação de um governo, qualquer que seja ele; a influência do imponderável e a competência que revelamos para cometer erros", diz ele, relacionando entre os "erros" mais graves as divisões internas dos dois partidos da aliança, com destaque para o racha tucano na indicação do candidato a presidente.

As feridas ainda estão abertas no PSDB, bem como ainda não está firmada a paz no PFL, cuja divisão ficou explicitada na escolha do candidato a vice, mas já vinha desde antes, em conseqüência das preferências em relação ao titular da chapa.

A "cura", de acordo com o deputado, só se dará de fato quando, e se, a possibilidade de "virar o jogo" for mais do que uma hipótese remota. A expectativa de vitória que motiva o governo hoje seria também o fator capaz de despertar as energias oposicionistas e, para isso, é primordial que Geraldo Alckmin "incorpore o espírito de candidato e vista o figurino de alternativa real de poder. As pessoas precisam vê-lo como uma opção de presidente".

Há, no entendimento do deputado, facilidades e dificuldades para que o objetivo seja alcançado. O que é vantagem para o governo é desvantagem para a oposição e vice-versa.

Por essa análise, em relação a 2002 o grande prejuízo de Lula é a perda do apoio das classes A e B e a "destruição da mística de que o PT representava o bem e todos os outros partidos encarnavam o mal". Para ACM Neto, a percepção de que "todos são iguais" de um lado favoreceu Lula, ao amenizar o julgamento popular sobre os escândalos de corrupção, mas de outro retirou o PT do altar das divindades éticas. "No mínimo ficou zero a zero."

Já a vantagem do presidente em relação ao candidato de 4 anos atrás - devendo, portanto, ser contabilizada como desvantagem da oposição - é a posse da estrutura de governo, que fornece instrumentos em determinadas camadas da população muito mais importantes do que questões relativas a condutas, mesmo se relativas à corrupção.

"Por isso, um Bolsa Família no bolso fala mais alto que a ética para quem tem no benefício seu meio de sobrevivência."

Se é assim, como se sustenta a certeza na virada?

"Com discursos diferentes. Para o eleitor mais bem informado podemos explicar que há gente deixando de trabalhar para ter renda menor e se credenciar para receber o auxílio; mas para o público-alvo do assistencialismo precisamos garantir a manutenção dos programas e falar na criação de emprego."

O ideal, na visão do deputado, "seria mostrar que esse tipo de benefício é bom, mas escraviza, incentiva o ócio, não estimula a educação, não premia o esforço e perpetua a pobreza como massa de manobra eleitoral". E não dizem por quê? "Porque aí perdemos."

Barato sai caro

A avaliação é do escalão superior do Ministério da Agricultura: a crise no setor é a mais grave dos últimos 40 anos. Ainda assim, as conseqüências diretas sobre a população em geral, que são o reflexo na inflação, não virão tão cedo. O aumento nos preços, de acordo com o prognóstico, está devidamente contratado, mas só para o ano de 2008.

Em matéria de efeitos eleitorais, a análise é a seguinte: a insatisfação dos agricultores os levará a votar em Geraldo Alckmin, mas seus empregados desequilibram o peso da área, ficando com Lula exatamente porque "a comida tá barata, doutor".