Título: Causas estruturais da violência
Autor: José Aristodemo Pinotti
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

A violência e a insegurança foram justificando os assuntos dos últimos dias. O sistema prisional, a eficiência das forças de segurança pública, as formas de combater os agressores, tudo foi completamente discutido. Na Câmara dos Deputados, estarei, juntamente com o meu partido, procurando aprovar e, eventualmente, aprimorar o pacote de segurança do Senado e todas as demais medidas necessárias. Quando tenho um paciente com febre alta, antes mesmo de saber a causa, receito antitérmicos para evitar convulsões ou outras graves conseqüências da hipertermia, pois atacar os efeitos é importante. Concomitantemente, no entanto, busco a origem da febre para poder curar a doença, e não somente medicar seus efeitos.

Devemos todos contribuir para o combate à violência e à bandidagem instalada. Como bem disse José Serra, deixar claro de que lado estamos. Mas o momento é próprio também para abordar as suas causas estruturais, quais sejam: a concentração de renda, o desemprego e a ausência de perspectivas da juventude da periferia, refém de uma educação arcaica cujos resultados persistem desastrosos há mais de 20 anos. Isto analisando somente o que acontece dentro das poucas horas em que estes jovens permanecem na sala de aula e ignorando o que ocorre no contraturno escolar.

Fizemos uma pesquisa, por amostragem, na zona sul da cidade de São Paulo e verificamos que apenas 0,6% dessas crianças têm alguma atividade pedagógica nesse período. Em contrapartida, na classe média que cursa, com sacrifício de suas famílias, o ensino privado, quase a totalidade usa esse período para atividades esportivas, culturais, pedagógicas e lúdicas, além de ter livros em casa e pais leitores. Daí o abismo existente e o seu aprofundamento gerador de violência, agravado pelo neoliberalismo consentido e colonialista instalado no País, que suprime vultosos recursos da educação, da saúde e do desenvolvimento, geradores de empregos, com um "superávit primário" perverso, apenas para rechear as burras dos rentistas pertencentes a certa burguesia descomprometida, alvo do justo desabafo do governador de São Paulo, Cláudio Lembo.

Além do mais, permanecendo nas ruas, nossos jovens vão adquirindo, independentemente de sua vontade, valores distorcidos, provenientes de exemplos inevitáveis, como o do bandido bem-sucedido que possui o melhor carro, a namorada mais bonita, é temido, respeitado e, às vezes, até querido, tornando-se paradigma e difusor de valores. Tal juventude, hipnotizada pelo mal, é também desempregada. Em São Paulo, 1 milhão de jovens não estudam nem trabalham. Segundo Gilberto Dimenstein, "energia demais e emprego de menos, fusão que não resulta em combustão da criminalidade". Soma-se a isso a sua estrutura familiar: 28% das famílias de usuários de escolas públicas são capitaneadas apenas pelas mães. Por todos esses fatos se pode perceber como é fácil recrutar jovens para o crime. Morrem 100 e há 500 na fila esperando por uma "oportunidade".

A educação, além de ter qualidade, deve ser socialmente construída e objetivar valores, profissionalização e emprego. Para isso precisamos manter nossas crianças e nossos jovens durante todo o dia sob o "guarda-chuva" da educação e dos bons valores de nossos educadores . Essa é a meta do programa São Paulo é uma Escola, que iniciamos, com a orientação do então prefeito José Serra, em 2005. Como não há recursos para dobrar o espaço físico das escolas, estamos usando os espaços ociosos e as ricas oportunidades da cidade, conferindo-lhes sentido pedagógico dentro do conceito de "Cidade Educadora", e nos associando com entidades como a do padre Rosalvino, em Itaquera, que profissionaliza milhares de jovens no pós-escola e os direciona para um trabalho digno e remunerado.

Os professores entenderam a lógica do processo. Formamos, com a Universidade de São Paulo (USP) e a Escola Aprendiz, 1.300 educadores comunitários indicados pela unidade escolar, que fez seu próprio projeto, inserindo o programa na escola e no seu entorno, com estudantes universitários e oficineiros supervisionados pelos professores. CEUs, balneários, parques, clubes, museus, teatros começaram a abrigar alunos da microrregião, no período do pós-aula - 190 mil crianças já participaram, total ou parcialmente, em 2005 e a Secretaria Municipal de Educação deve dobrar esse contingente em 2006.

Inovações geram mudanças que criam incomodidades difíceis de ser superadas por aqueles que aceitam uma educação pobre para os pobres.

Talvez esse episódio dramático que tivemos em São Paulo permita que todos possam ver a educação com outros olhos, com melhores salários para os professores, com um enfoque mais holístico e comprometido, pedagógico e social, colaborando, assim, para a mudança necessária. Só com educação vamos politizar o povo e evitar repetições de desvios éticos que assombraram o País nos últimos anos e atos de violência como os que nos aterrorizaram recentemente. Só com educação vamos ter ciência e tecnologia capazes de criar valores agregados, riqueza e condições de distribuí-la.