Título: Modesta, porém decente
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Nacional, p. A6

Modestamente, sem grandes pretensões nem declarações de efeito e a consciência de que não patrocinará cassações de mandatos, depoimentos teatrais ou relatórios vistosos, a CPI dos Sanguessugas vai mostrando o seu valor.

Nascida para morrer submersa no boicote de um conluio entre cardeais e baixos clérigos, a comissão nem bem começou e já cumpriu importante missão ao provocar o afastamento de dois integrantes da Mesa Diretora da Câmara que, envolvidos nas denúncias de manipulação fraudulenta de emendas ao Orçamento da União, continuavam de posse de todas as prerrogativas parlamentares como se nada houvesse de anormal no fato de serem apontados como integrantes de uma máfia com ramificações amplas nos Poderes Executivo e Legislativo.

Antes da CPI, quando surgiram as denúncias a partir de uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público, a Câmara ensaiou uma investigação na corregedoria e, num ato relâmpago decidiu, como se diz em gíria da moda, "abafar o caso".

Manteve no sossego de seus cargos o segundo e o quarto-secretários da Mesa, Nilton Capixaba e João Caldas, alegando repúdio ao prejulgamento.

Quando a comissão se instalou por obra de um esforço de pequeno grupo de deputados, sua primeira providência foi pedir o afastamento de ambos.

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, então, resolveu tomar uma providência e recusou-se a reunir o colegiado diretor enquanto Caldas e Capixaba continuassem em seus postos. Nesta semana, os dois pediram afastamento, coisa que poderia ter sido feita por iniciativa da corregedoria lá atrás, dada a clareza do malefício daquelas presenças na direção do Parlamento.

Só por esse resultado, mesmo que não fizesse mais nada, a CPI dos Sanguessugas já teria justificado sua criação. Mas ela está indo além: insiste no pedido à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, de quebra do segredo de Justiça sob o qual transcorre o processo, pelo menos em relação ao nome dos parlamentares apontados como cúmplices pelos acusados que fizeram acordo de delação premiada com o Ministério Público.

O STF pode até não ceder, mas só a pressão exercida e a visibilidade conferida pela CPI a um caso destinado a mergulhar no esquecimento pela morosidade da Justiça já revelam à opinião pública fatos que explicam a razão de tanto empenho de cardeais e baixos clérigos para que a CPI não fosse instalada e justificam plenamente sua criação e, agora, sua prorrogação até o fim do ano.

PESCOÇO ALHEIO

O uso político dos ataques do crime organizado em São Paulo não é exclusividade de quem recusa ajuda de tropas federais, no caso o governador Cláudio Lembo.

É também de quem oferece - vale dizer o presidente Lula e o ministro Márcio Thomaz Bastos - para depois comentar que a situação é grave e cobrar "uma atitude" com ar de superioridade como se em sua seara (a política nacional de segurança) tudo estivesse muito bem resolvido.

Nessa história nenhum dos dois lados têm razão. O governo estadual poderia perfeitamente aceitar a ajuda, por cortesia e habilidade, mesmo sabendo que a questão não se resolve com o envio da tropa especial treinada em Goiás e que não será o desembarque dos soldados em São Paulo que resolverá uma intrincada e enraizada situação de variantes diversas, entre as quais a leniência de autoridades no trato da bandidagem e no combate a suas atividades.

Se a oferta visa a constranger, a aceitação teria o condão de testar sua utilidade.

No tocante à parte que lhes cabe no latifúndio da segurança pública, União e Estados fizeram coisa alguma que resultasse em decréscimo da criminalidade. Nenhuma ação efetiva, nenhuma idéia criativa nem que seja inspirada nas diversas experiências de redução da violência urbana existentes no mundo.

Agora que estamos em campanha e o palco da violência é também o maior colégio eleitoral do País e berço político dos dois principais adversários, cada um deles busca tirar proveito de uma maneira canhestra.

O exemplo mais bizarro foi a artificialíssima troca de gentilezas políticas entre o governador Cláudio Lembo e lideranças do PT, inclusive o presidente Lula, na primeira onda de ataques orientados de dentro dos presídios, logo após a desincompatibilização de Geraldo Alckmin.

Lembo, sabe-se lá porquê, depois de anos de serviços prestados à "elite branca" resolveu culpá-la por todas as mazelas nacionais e, nisso, teve o apoio do PT que, numa interpretação maniqueísta, enxergou em Lembo um aliado. Este, por sua vez, atraiu para si a ira de seu partido, o PFL que lhe propiciou assento no Palácio dos Bandeirantes.

Pois bem, pelas declarações pinceladas de ironia feitas agora em função da recusa de ajuda federal tal "aliança" parece caminhar para o inexorável e constrangido fim, pois nem Lembo ou Lula conseguem sustentar os personagens reciprocamente amistosos, nem ao governador de São Paulo já há três meses no cargo será possível transferir a fatura ao antecessor.