Título: Medo, sim. Mas desta vez não houve pânico
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Metrópole, p. C1

Desta vez, o paulistano não se rendeu ao medo da violência. Apesar da nova onda de ataques do PCC, São Paulo viveu uma quarta-feira como qualquer outra. Dia de trabalho nos escritórios, no comércio, nos bancos. Dia de férias escolares para crianças e adolescentes.

Nas ruas, praças e bares, palpites sobre a Copa do Mundo foram rapidamente substituídos por teses sobre PCC, polícia e política. Nem por isso, no entanto, houve quem deixasse de lado compromissos ou hábitos diários.

"Temos de viver. Nosso desafio diário é viver, não é esperar a morte. Ter medo de PCC é bobabem", opinou Maria Eugênia de Salles Moreira, de 74 anos, logo depois de sair da loja do Pão de Açúcar na Rua Pamplona. Na sacola do supermercado, ela levava os legumes que serviriam para a sopa do jantar. "Se eu deixar de vir comprar comida, vou passar recibo para bandido. Prefiro fazer minha sopa, fresquinha, e confiar em Deus."

Como Maria Eugênia, a maioria das pessoas ouvidas pelo Estado preferiu enfrentar o medo ontem. "Essa guerra é entre governo, bandido e polícia. Não podemos entrar no jogo. Estamos à própria sorte, nossa saída é autoconfiança e fé. O resto é São Paulo. Incorporamos", disse, na Avenida Paulista, o administrador de empresas que se identificou apenas como Carlos Henrique, de 38 anos.

Em frente à base comunitária da Polícia Militar, no cruzamento das ruas Major Sertório e Doutor Cesário Mota Junior, em Santa Cecília, região central, policiais faziam, durante a tarde, uma espécie de comando improvisado, com bloqueio de duas das três faixas de trânsito. No meio da rua, policiais armados com espingardas calibre 12. Em frente, em um ponto de ônibus, pessoas à espera da condução para voltar para casa.

A cena, não pareceu incomum a ninguém que participava dela. "Eles (policiais) estão protegendo a base, eu estou esperando meu ônibus. Tudo bem, o ponto é aqui. Não tenho como mudar de caminho por causa deles", argumentou a senhora, que só teve medo mesmo de dar seu nome à reportagem.

Para o taxista Valter Gonçalves, de 46 anos, não adianta ter receio de sair na rua. "São Paulo está entregue e o Estado não responde ao anseio da população. A violência, aqui, é o natural. Quando a cidade está agitada está normal. Quando está quieta e deserta é que entramos em estado de exceção", ponderou Gonçalves, também formado em Direito.

O comportamento da maioria das pessoas na região Central e na Avenida Paulista parecia mostrar que o taxista tinha razão. No Centro, o vaivém em busca da sobrevivência foi o mesmo de todos os dias em ruas como 25 de Março, Barão de Itapetininga, Direita e Boa Vista. Lojas abertas, camelôs trabalhando sem fiscalização, pessoas fazendo compras.

No Shopping Higienópolis, rotina. Gente bonita passeando, moradores idosos do bairro tomando café da tarde, turistas chegando de fora para gastar. Marina e Rafaela, que são de Cuiabá, no Mato Grosso, vieram pela primeira vez a São Paulo e desceram apressadas do táxi: "Estamos preparadas para tudo. Não vamos estragar a viagem por causa de violência", decidiu Marina.

Na Avenida Paulista, a tarde caiu tranqüila para quem saía do trabalho. Os ônibus seguiam lotados e o trânsito era lento, como sempre. No Conjunto Nacional, dezenas de pessoas circulavam entre cafés e livrarias. Na porta do cinema, uma pequena fila se formou para o filme de quarta-feira, cujo ingresso costuma ser mais barato.

Na calçada em frente ao Conjunto Nacional, o músico Emerson Pinzindin continuava, como todos os dias e há 10 anos, tocando flauta e saxofone para quem passava. Ao som da polca "Atraente", de Chiquinha Gonzaga, os paulistanos receberam a noite como deveriam na Avenida Paulista: em paz.