Título: Mulher do bombeiro morto volta para casa
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Metrópole, p. C1
Ontem foi um dia difícil para Rosemeri da Costa, de 38 anos. Completados dois meses da morte do marido, o soldado do Corpo de Bombeiros João Alberto da Costa, de 40 - assassinado no primeiro dia da onda de ataques do PCC a oficiais de segurança pública, em 12 de maio -, Rosemeri voltou para casa pela primeira vez. O casal vivia em um condomínio simples no Parque Savoy City, zona leste da capital.
O apartamento de dois quartos esteve trancado até ontem, quando Rosemeri reuniu coragem para a difícil tarefa de remexer nas coisas do marido, trazendo à tona memórias e a dor da perda. "Fiquei afastada. Não tinha coragem de entrar aqui e ver as nossas coisas, reviver as cenas, as conversas que tivemos neste apartamento."
Alguns objetos fizeram Rosemeri sorrir ao lembrar passagens da vida do casal. Mas se desesperou ao rever a farda que era usada por Costa. "É muito difícil, só queria dizer que é um momento muito doloroso", disse.
Rosemeri, que esteve morando com um irmão na capital até voltar para casa, ainda tem dificuldade em falar sobre a morte do marido. Mas, conversou rapidamente com a reportagem. Lembrou dos planos do casal de ter um filho e mudar-se para o interior. "Não queríamos criar um filho nesta cidade, com a violência nas ruas."
Também contou como a morte de Costa desestruturou toda a família. A mãe dele, que já perdera um filho doente havia 12 anos, continua internada, após um acidente vascular cerebral. A única irmã de Costa não tem condições de cuidar sozinha da mãe. A indenização de R$ 100 mil prometida pelo governador Cláudio Lembo não chegou, apenas uma ajuda para despesas com velório e enterro.
Rosemeri tenta não odiar os os bandidos que mataram seu marido. Diz que são vítimas da injustiça social - para ela, a causa da falência da segurança pública no Estado. "Não adianta agora culpar os bandidos, a polícia, o Estado. É claro que é preciso defender os direitos dos policiais e agentes porque são todos seres humanos. Mas a pergunta que é preciso fazer é: por que esses homens se tornaram bandidos? A causa de tudo isso, de toda essa violência, vem de muito longe. Eu já estive lá", disse. Depois explicou: teve uma infância carente, num bairro da zona leste onde o contato com a violência era constante. "Vivenciei coisas que me fazem pensar: que adultos crianças largadas podem ser? É a injustiça que as transforma em criminosas. Não acredito que existam mais pessoas ruins do que boas. O que a gente precisa é de justiça humana para todos."
Revendo as coisas do marido, ela disse que não deixará que a morte de Costa tenha sido em vão. "Quero mostrar a todos quem ele era e ter a vida dele como um exemplo. E ajudar as crianças a ter um futuro. Deus vai me mostrar o caminho", disse. "Se cada um fizer o que está ao seu alcance, podemos vencer a violência. Se eu conseguir arrastar multidões, melhor."
Costa foi morto na frente do Batalhão do Corpo de Bombeiros nos Campos Elísios. Estava do lado do carro da corporação, preparado para sair para a rua para mais um resgate.