Título: Irmã ouve policial ser baleado. Abre a janela e leva tiro na testa
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Metrópole, p. C1

O soldado Odair José Lorenzi tinha 29 anos, andava com uma fotografia do filho Nicolas, de 4 anos, guardada na carteira, torcia pelo Santos e tinha mania de fazer churrascos na casa de 2 andares onde morava com a mãe e 4 irmãos, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. Há 10 anos integrava a Força Tática do 18º Batalhão da Polícia Militar. Há dois meses , quando o crime organizado parou a cidade pela primeira vez, comentou com a família que não corria perigo porque trabalhava nos bastidores, como motorista de um capitão.

Às 23h50 de terça-feira, Lorenzi ouviu alguém chamando seu nome no portão. Foi atender e levou 4 tiros - 2 no braço, 2 no peito. A irmã do soldado, a garçonete Rita de Cássia, de 39 anos, saiu na janela para ver o que estava acontecendo e levou um tiro na cabeça. Ambos foram levados para o hospital público do bairro e, duas horas depois, entraram no listão de sete mortos com a volta dos ataques atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

Os corpos de Lorenzi e Rita de Cássia foram enterrados na tarde de ontem, no cemitério da Vila Nova Cachoeirinha. O prefeito Gilberto Kassab cancelou uma bateria de reuniões com funcionários da Secretaria de Educação e foi até o velório. Ficou menos de 5 minutos. Cumprimentou rapidamente a mãe de Lorenzi, a dona de casa Maria, de 68 anos. Na saída, disse que estava ali para mostrar que as vítimas não estavam sozinhas . "O Estado está de pé. Aqueles que praticam esses crimes serão punidos."

O enterro de Lorenzi e Rita transcorreu tomado pelos comentários sobre a volta da ameaça do crime organizado. Enquanto 6 viaturas da PM faziam um policiamento ostensivo, policiais e familiares relatavam a tensão provocada pela nova onda de ameaças. "Essa guerra está chegando em todo mundo. Qualquer um pode virar vítima agora", comentava Gilberto Lorenzi, de 29 anos, um dos irmãos do soldado Lorenzi. "A gente vê essas coisas pela televisão e acha que não chega na gente. Olha aí, como chega. Chega, sim!", dizia o irmão mais velho, Gilmar, de 42 anos.

MOMENTO CRÍTICO

Um pouco mais adiante, atrás de coroas de flores enviadas pela PM e pelo Bingo Cachoeirinha - onde o soldado Lorenzi fazia bicos como vigia noturno -, o comandante do Policiamento da Zona Norte da Capital, coronel David Antonio de Godoy, monitorava por celular as ocorrências dos quatro batalhões de sua jurisdição. "Está tudo sob controle", dizia.

Antes de ir ao cemitério, o coronel Godoy fez uma reunião com os comandantes de sua área para discutir as táticas de policiamento do dia. "Nós, comandantes, não podemos nos abalar", disse ele à equipe.

As instruções de segurança normalmente dadas ao efetivo foram reforçadas. Os PMs da região foram lembrados de que não podem relaxar nem mesmo quando saem de serviço, tiram a farda e chegam em casa. "É um momento crítico, quando os policiais tendem a ficar à vontade porque estão perto da família, da comunidade à qual pertencem. Mas precisamos ficar em alerta máximo. O tempo inteiro", explicou. Com 31 anos de carreira, casado, pai de dois filhos, o coronel contava como a guerra altera a rotina familiar dos policiais. "Digo aos meus filhos: tenham cuidado. Eles não podem fazer tudo o que os coleguinhas fazem, porque têm policial na família Mas nós temos orgulho de nossa farda", disse.

MORTE RÁPIDA

A morte do soldado Lorenzi e de Rita de Cássia durou menos de um minuto. O soldado esperava a mulher, a enfermeira Leuda Rocha, de 33 anos, voltar do trabalho. Comentava com a mãe que queria fazer mais um churrasco no grill George Foreman que comprou em 4 prestações. Ouviu os gritos de quatro homens armados que o chamavam na portão, saiu, foi atingido à queima-roupa e caiu no chão. A mãe ensaiou sair para socorrê-lo. Os criminosos gritaram: "Entra! Entra ou vocês também vão tomar tiros". Maria voltou para dentro, no momento em que Rita de Cássia levou um tiro, no andar de cima.

Uma guarnição da PM chegou a tempo de flagrar os quatro homens fugindo. Houve tiroteio na Rua Alberto Werner, onde o soldado morava havia 20 anos. Um soldado que estavam na viatura, Rogério Alberto Sol Júnior, de 26, levou dois tiros - um na perna e outro que passou por uma fresta do colete à prova de balas e atingiu o abdômen. Levado para o Hospital de Vila Nova Cachoeirinha, passou por cirurgia de cinco horas até sair do quadro grave. Segundo o boletim médico, está estável. Até a noite, a polícia não tinha pistas dos criminosos.

Lorenzo e Rita de Cássia foram enterrados com honras militares e discursos feitos por comandantes da PM. Os filhos de Rita, uma garota de 19 anos e um menino de 14 anos, acompanharam a cerimônia. Nicolas, o filho de 4 anos do soldado, não sabe que o pai está morto. "Como vou explicar a ele? Dizer que o pai morreu numa guerra?", quis saber Leuda.