Título: Europeus querem barrar alimentos brasileiros
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Economia & Negócios, p. B6

As mais poderosas associações de agricultores e de cooperativas agrícolas da Europa pedem que a Comissão Européia "proíba imediatamente" a importação de produtos alimentares brasileiros que não estejam dentro dos padrões de qualidade fitossanitária da Europa. Ontem as entidades enviaram oficialmente as solicitações ao governo europeu. Se implementadas, as medidas podem afetar as exportações de carne de porco, ovos, maçã, mamão, além de carne de frango e bovina.

O pedido é feito às vésperas de uma reunião de chefes de Estado, que pode desbloquear as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC)para a abertura dos mercados agrícolas. O pedido de proibição foi liderado pela Confederação Geral das Cooperativas Européias (Cogeca), com base em dois relatórios da União Européia (UE), que acusa o Brasil de desrespeitar uma série de padrões internacionais na produção. No fim de 2005, os europeus realizaram uma inspeção no País para avaliar a situação fitossanitária. Em abril, as análises ficaram prontas e concluíram que o Brasil não oferecia condições suficientes para que alguns produtos pudessem entrar no mercado europeu.

A UE deu então dois meses para o governo se explicar. Brasília, porém, esperou até o último dia do prazo para enviar as explicações e as medidas que promete tomar para evitar sanções. Os documentos, porém, foram entregues em português, o que obrigará os técnicos a traduzi-los. Agora, as autoridades européias informaram ao Estado que vão analisar tanto o pedido dos agricultores como as explicações brasileiras. Em setembro, tomarão decisões sobre a entrada dos produtos nacionais na UE. "Estamos muito preocupados com a situação no Brasil de falta de controles na produção", afirmou Phillipe Tod, um dos porta-vozes da UE.

Segundo os europeus, as deficiências de controle já registradas em 2003 não foram corrigidas, as ações prometidas pelo governo não foram cumpridas, não há controle de remédios em fazendas e ainda há sérios problemas nos testes em frangos. "Fizemos inspeções em 2003 e 2005 e a situação continua igual", alerta Todd, que confirma os problemas em produtos como carnes e ovos. Segundo ele, algumas medidas já foram tomadas, como o embargo ao mel brasileiro.

Já a carta enviada pelos agricultores e assinada pelo secretário-geral das entidades, Franz-Josef Feiter, alerta que o Brasil tem sérios problemas de padrão de qualidade. Enquanto não forem resolvidos, o setor privado europeu quer que as barreiras sejam impostas. O pedido foi enviado ao comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson. Sua assessoria garantiu que vai analisá-lo.

Entre as várias queixas está a de que o Brasil continua a exportar ilegalmente carne de porco aos europeus. O Brasil ainda exporta ovos sem que o plano de controle de resíduos para o setor tenha sido aprovado pela UE. Aditivos proibidos na Europa ainda são usados na alimentação de animais que acabam sendo exportados aos mercados da França, Alemanha ou Itália.

FRUTAS Outra preocupação dos europeus é o sistema de controle de resíduos de pesticidas usados em maçã e mamão no Brasil. Segundo o relatório preparado pela UE, que serviu de base para a queixa do setor privado, o mecanismo de monitoramente é pouco efetivo e não dá garantias de que os produtos que entram no mercado europeu estão dentro das exigências impostas pela União Européia.

Bruxelas afirma que, no Brasil, apenas um dos oito laboratórios que fazem testes de resíduos de pesticidas em produtos agrícolas é reconhecido e credenciado internacionalmente. "As deficiências no sistema de controle de resíduos são inaceitáveis, dado que a saúde dos consumidores europeus é colocada em risco", afirmou Feiter na carta.

O pedido de proibição, porém, não vem em um momento qualquer. As negociações na OMC estão numa fase crítica e os europeus terão de ceder na abertura de seu mercado agrícola para que o acordo não fracasse. Mas o setor privado europeu alerta: a UE pode estar abrindo seu mercado para produtos que nem têm padrões adequados ao consumo na região.

Na segunda-feira, os chefes de Estado do G-8 se reúnem em São Petersburgo, na Rússia, e tentarão desfazer o nó do debate na OMC. O Brasil defende uma abertura por parte dos europeus, que resistem.

PROTECIONISMO Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes, trata-se de mais um lance de "puro protecionismo sanitário" dos europeus. "Mais uma vez, estão tentando usar de forma abusiva normas sanitárias para restringir a importação de carne brasileira e permitir que os produtores europeus aumentem seus preços", disse Pratini. "Estamos acostumados com essas agressões, que refletem a grande competitividade da carne brasileira."

Mas o ex-ministro da Agricultura não acredita que os agricultores europeus irão para frente em sua tentativa de impor barreiras. "A União Européia é importadora líquida de carne." Ele admite, no entanto, a possibilidade de a UE usar as barreiras sanitárias para barganhar nas negociações de abertura do setor agrícola.