Título: Um G-8 pela segurança e estabilidade mundiais
Autor: Jacques Chirac
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Economia & Negócios, p. B7

Irei, em 15 de julho, a São Petersburgo, primeira Reunião de Cúpula do G-8 sob presidência russa, com quatro objetivos: voltar a mobilizar os países ricos e os países emergentes contra as alterações climáticas; convencê-los da urgência da instauração de novos financiamentos para vencermos a miséria e as pandemias; dar o nosso apoio à África, no momento em que ela começa a se reerguer; impedir a expansão do terrorismo e a proliferação das armas de destruição em massa - tratando, em particular, das questões iraniana e norte-coreana. Estou convencido de que podemos aproveitar as oportunidades oferecidas pela globalização e explorar da melhor maneira este extraordinário período de crescimento mundial que está transformando o destino da humanidade, corrigindo ao mesmo tempo os seus inaceitáveis excessos sociais ou ecológicos.

Para a França, a razão de ser do G-8, instância informal de diálogo e de impulsão, é a elaboração conjunta das respostas aos nossos desafios comuns. O seu método, baseado no contato pessoal entre dirigentes, tem por objetivo a busca de consenso, num espírito de responsabilidade compartilhada. Este é o sentido da sua abertura em direção aos países emergentes como Índia, China, Brasil ou México, sem os quais nenhuma grande questão mundial pode ser tratada, bem como aos representantes dos países desfavorecidos.

A energia não deve ser um instrumento político. Nesta fase de rápida expansão econômica, temos de tratar dessa questão no âmbito de uma parceria mundial para o desenvolvimento sustentável. Pois, se deixarmos de agir, o aumento do consumo de combustíveis fósseis terá efeitos desastrosos para o meio ambiente e o clima do planeta.

Desejo que em São Petersburgo possamos tomar medidas para a melhoria do funcionamento dos mercados do petróleo e do gás, para a promoção do diálogo entre produtores, consumidores e países de trânsito, para a aceleração da transição em direção à era do pós-petróleo e para a ajuda aos países emergentes na concepção de um desenvolvimento ecologicamente responsável.

Teremos de dar um forte impulso às energias renováveis e alternativas - inclusive a energia nuclear, cercando-nos das mais rigorosas medidas de garantia em termos de segurança e de não proliferação -, bem como às políticas de economia de energia. Cada um dos nossos países deverá determinar, até o fim do ano, objetivos nacionais ambiciosos nessas áreas.

Uma ameaça global requer uma reposta mundial. Não poderemos resolver o problema do aquecimento climático sem nos organizarmos e dispersando-nos por meio de múltiplos anúncios unilaterais e parciais. Preocupo-me com o enfraquecimento do empenho internacional no combate às alterações climáticas. É preciso reverter a tendência.

Os sete países do G-8, signatários do Protocolo de Kyoto, têm uma responsabilidade particular. Incumbe-lhes dar o exemplo do cumprimento dos compromissos assumidos, como o fazem a Europa e a França. Cabe-lhes mostrar o caminho que deveremos trilhar após 2012. Desejamos alcançar um acordo ambicioso à altura da ameaça que pesa sobre a humanidade, um acordo que vincule todos os países do G-8, inclusive os Estados Unidos, bem como os países emergentes, segundo modalidades apropriadas.

A crise ecológica que estamos atravessando exige respostas mundiais eficazes e coordenadas. Lançarei um apelo aos meus colegas para que se empenhem na rápida criação de uma Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Todos os anos, a aids, a tuberculose e a malária causam mais de 5 milhões de mortes, a imensa maioria na África, relegando à miséria e à violência centenas de milhares de órfãos. Podemos vencer essas doenças. O G-8 assumiu esse compromisso e terá de cumprir suas promessas: acesso universal aos tratamentos contra aids em 2010, cumprimento do acordo da OMC sobre medicamentos genéricos, bem como o financiamento do Fundo Mundial contra as três pandemias, ao qual a França destinará 300 milhões em 2007.

Contra a miséria, necessitamos de novos financiamentos retirados do crescimento excepcional da riqueza mundial. Com outros países, a França tem-se empenhado nesse caminho, através da instauração de uma taxa de solidariedade sobre as passagens aéreas, cujo produto será destinado, graças à Unitaid, à compra de medicamentos. É uma experiência pioneira. Deveremos estendê-la, por exemplo, para o financiamento da educação para todos, o que constitui uma prioridade universal. Desejo que os chefes de Estado e de Governo reunidos em São Petersburgo tomem consciência do caráter pioneiro e da eficácia dessa medida.

O combate às pandemias passa pelo reforço dos sistemas de saúde nos países do Hemisfério Sul. Na Europa, o seguro-saúde foi concebido há um século, numa época em que os rendimentos eram comparáveis aos níveis atuais na África. Foi um fator determinante de progresso social e econômico. Proporei em São Petersburgo uma iniciativa com vista à criação de tais sistemas nos países pobres.

O mundo permanece sob a ameaça da gripe aviária. A fim de que possamos exercer uma ação de prevenção e, se for o caso, de reação a uma pandemia humana, temos de intensificar os nossos preparativos, reforçando os meios de vigilância sanitária e acelerando o desembolso dos US$ 2 bilhões de assistência prometidos pela comunidade internacional.

Como todos os anos, levarei a São Petersburgo a exigência de uma parceria com a África. A situação tem evoluído: progressos em matéria de paz, de democracia e de crescimento hoje superior a 5% ao ano. A solidariedade com a África é uma exigência moral. É também, para a Europa e o mundo, uma questão de interesse indiscutível em termos de demografia. Oferecer à juventude africana um futuro de dignidade significa desviá-la da violência e do extremismo. Significa também possibilitar-lhe uma alternativa à escolha forçada da emigração. Este é o objetivo da parceria euro-africana concluída esta semana por ocasião da Conferência de Rabat, para tratarmos juntos essa questão que diz respeito a todos nós.

A Reunião de Cúpula tratará, por fim, das questões ligadas à segurança. As ambições nucleares do Irã suscitam preocupação. A Europa, com o apoio da Rússia, dos Estados Unidos e da China, tem-se empenhado na via da diplomacia. Fizemos ao Irã ofertas generosas, que respeitam o seu direito à energia nuclear civil, sob a condição de que observe seus compromissos assumidos em matéria de não proliferação. Desejo que os dirigentes iranianos saibam acolher esta iniciativa de boa vontade, em prol da paz e da estabilidade do mundo, bem como para o próprio Irã. A Cúpula de São Petersburgo lhes dirigirá uma mensagem de unidade e de determinação.

Confiro, por fim, uma grande importância ao símbolo que representa este primeiro G-8 sob presidência russa, desenlace de um processo iniciado em 1996 por iniciativa da França. Responder ao convite do presidente Putin significa descartar a lógica arcaica da guerra fria, para que possamos construir juntos um futuro de paz e de cooperação. Significa reconhecer o caminho percorrido pela Rússia e a consolidação da sua presença na Europa. Acolher o G-8 em São Petersburgo significa também, para a Rússia, uma responsabilidade que a vincula, pois um futuro comum implica valores compartilhados: democracia, Estado de direito, direitos humanos e liberdade, tudo o que concorre para o progresso e a dignidade da humanidade.

*Jacques Chirac é presidente da França