Título: Brasil pede à Argentina fim de cotas para calçados e eletrodomésticos
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, pediu ontem ao governo argentino que suspenda as restrições aplicadas a calçados e eletrodomésticos fabricados no Brasil. O governo brasileiro argumenta que não há mais motivos para a limitações aos produtos nacionais, já que a economia argentina recuperou-se e pode enfrentar a concorrência do sócio do Mercosul.

Além disso, alega que, enquanto as exportações brasileiras para a Argentina permaneciam estáveis por causa das restrições, as vendas de produtos chineses disparavam no mercado argentino.

Do lado argentino, houve indicações de que, embora as restrições possam continuar, o governo de Néstor Kirchner está disposto a flexibilizar a situação, permitindo que ocorra um aumento nas vendas brasileiras para a Argentina, pelo menos na área de calçados.

Desde julho de 2004, o governo Kirchner aplica uma série de medidas contra produtos brasileiros com o argumento de que a Argentina estava sofrendo uma "invasão" proveniente do Brasil. Esses produtos estariam "depredando" a indústria nacional, com a conseqüente "extinção de milhares de postos de trabalho".

Durante quase dois anos, as medidas de restrição de Kirchner causaram um conflito, ironicamente chamado de "Guerra das Geladeiras", que provocou turbulências entre os dois países. O leque de medidas aplicadas aos produtos brasileiros - que atingem não só geladeiras, mas fogões e máquinas de lavar - foi amplo, mas, finalmente, as restrições foram definidas por meio de acordos entre empresários dos dois países.

Nessas negociações, que contaram com a supervisão, e também fortes pressões, dos dois governos, os empresários brasileiros sempre foram forçados a aceitar acordos de autolimitação "voluntária" das vendas para o mercado argentino.

Durante o encontro de ontem, o secretário de Indústria e Comércio da Argentina, Miguel Peirano, ofereceu a Ramalho como contraproposta uma renovação dos acordos "voluntários". O diferencial seria uma participação brasileira maior nas vendas dos novos acordos. Peirano, segundo Ramalho, propôs que as vendas brasileiras cresçam numa proporção maior ao crescimento da economia argentina. Portanto, se o crescimento do PIB neste ano chegar a 8%, as vendas brasileiras de calçados poderão aumentar um pouco além dessa proporção.

O caso dos calçados está sendo considerado paradigmático, já que, enquanto as exportações brasileiras do produto ao mercado argentino entre janeiro e maio cresceram somente 0,1% em comparação com o mesmo período do ano passado - o equivalente a apenas 4 mil pares a mais -, as vendas chinesas do setor cresceram 91,4% - o equivalente a 1,1 milhão de pares a mais.

Ramalho sustentou que as restrições argentinas aos calçados fabricados no Brasil "não têm mais sentido, já que está sendo registrado um aumento mais acentuado da importações de produtos de outras origens. Esse tipo de acordo (de restrições) era para beneficiar a indústria argentina, e não a de outros países."

O enviado brasileiro afirmou que tanto no governos do Brasil quanto no da Argentina "há preocupação com o aumento das importações de produtos da China". Ramalho também pediu a Peirano que a Argentina determine o fim das restrições a outros produtos, como eletrodomésticos da linha branca.

AVALANCHE CHINESA No entanto, o ex-secretário de Comércio, e diretor da consultoria Abeceb.com, Dante Sica, afirmou que as exportações chinesas ao mercado argentino continuarão entrando sem parar no país. "De nada servirá a remoção das restrições aos produtos brasileiros. Mesmo que o governo Kirchner retire as barreiras para os produtos que a Argentina importa do Brasil, os chineses avançarão na conquista do mercado argentino. Com ou sem medidas de restrição ao Brasil, a China continuará entrando", disse.

Segundo ele, os países do Mercosul erraram ao negociar individualmente com a China a abertura comercial. "Agora estamos sofrendo as conseqüências."

Sica considera que a saída é que o Mercosul "pense em um programa olhando para o futuro, no qual defina-se quais setores industriais o bloco vai proteger, para poder competir. E além disso, conquistar terceiros mercados, antes que a China chegue lá".