Título: Obrador decepcionará esquerda radical
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Internacional, p. A18

Uma maneira de compreender o significado da presença de Manuel Camacho Solís no comando da campanha de Andrés Manuel López Obrador é imaginar o senador Antonio Carlos Magalhães dirigindo a primeira campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. Ex-chanceler e ex-cardeal do Partido Revolucionário Institucional, Camacho rompeu com o PRI em 1995. É, desde 2003, deputado federal pelo PRD de López Obrador. Quinta-feira, convencido de que seu candidato ganhará com 7 pontos de vantagem, deu entrevista ao Estado e ao Miami Herald. Eis os principais trechos.

López Obrador será um Hugo Chávez ou um Lula?

(A hipótese) Chávez está totalmente descartada. López Obrador não iniciou sua carreira com um golpe. Não há no México uma decomposição do regime ou a sensação de que os poderes da república tenham desaparecido. Não se questiona a legimitidade dos tribunais ou do Congresso. Os partidos estão fortes. Sabemos de antemão que enfrentaremos uma oposição majoritária no Congresso e não poderemos fazer reformas constitucionais. Teremos de negociar com outras forças políticas. Não há como pensar que possa haver aqui um regime como o de Chávez.

As forças de esquerda da coalizão que apóia López Obrador não complicarão sua vida em Los Pinos?

López Obrador tem duas vantagens. Primeiro, a exemplo do que ocorreu com Lula, não há nenhum grupo de esquerda dentro de seu partido que ele não controle. Ele tem também o controle completo do PRD, o que lhe permite fazer o que já está fazendo, que é trabalhar com uma equipe não partidária. Haverá espaço para todas as correntes. Creio que a esquerda radical vai se decepcionar com López Obrador.

Será, então,um Lula...

Será um homem que vai entregar a economia aos técnicos, pôr ordem no governo e nos sindicatos e levantar a autoridade e o poder do Estado para que os interesses especiais não continuem tendo a influência que têm. Diminuirão os privilégios. Os de baixo subirão.

Como?

Uma medida que pretende tomar logo é estender a todos os 5 milhões de idosos do país a aposentadoria de 720 pesos (US$ 60) mensais, que introduziu como prefeito da Cidade do México. Isso custará US$ 3 bilhões. E lhe dará uma base de apoio político muito importante, logo de início, para poder levar adiante o que prometeu na campanha. Ele não esperará até as eleições legislativas de 2009 para ganhar maioria no Congresso e então começar a adotar seu programa.

Essa estratégia não justifica o temor de alguns analistas de que ele governará como líder messiânico?

Isso é o que diz (o historiador) Enrique Krauze. López Obrador é um líder carismático, é popular. Com base nisso, inventaram frases sobre ele. Tudo o que ele está fazendo é pondo limites à influência dos grupos de interesses especiais, dos privilégios. Ele quer abrir mais a economia e frear os privilégios da burocracia e o tráfico de influência. Dizem que não tem como financiar seus programas sociais com as medidas que tomará, como a redução dos salários do presidente e dos ministros e o fim da aposentadoria dos ex-presidentes. É claro que não é assim que ele financiará seus programas.

Como fará isso?

O gasto do governo federal cresceu 2,4% em seis anos. Se economizarmos isso, financiaremos o programa social e faremos a economia crescer mais.

O que ele fará diferente do que se fez até agora?

Comecemos pelo que não mudará. Haverá continuidade em tudo o que se refere a responsabilidade monetária e fiscal. Ele já disse que trabalhará com Guillermo Ortiz (presidente do Banco Central) até o fim de seu mandato (2008). Haverá austeridade fiscal muito forte para conseguir uma poupança adicional de 1% do PIB que permita financiar o programa social, com US$ 8 bilhões, e o de infra-estrutura, com US$ 2 bilhões.

Como será a política exterior?

Será prudente, de princípios. O ponto central serão as negociações com os EUA , começando pela revisão da cláusula do Nafta que abre o mercado mexicano em 2008 para importações de milho e feijão. Buscaremos fórmulas legais, como prorrogações, para resolver esse problema. Há 3,5 milhões de famílias que vivem do cultivo do milho e do feijão no México.

E a questão da emigração para os EUA?

A idéia é não converter essa questão no centro de nossa relação com os EUA, porque não se poderá avançar. Queremos concentrar-nos na economia.

Haverá aproximação com Venezuela, Bolívia, Cuba?

Não. Haverá boa relação com todos os países da América do Sul. Mas não haverá influência deles sobre nossas decisões. Nem haverá interesse nosso em exercer liderança na América do Sul. Haverá relações normais com todos os governos, mas não relações especiais. Faremos como o Brasil, que tem boas relações com os governos de todos os seus vizinhos, mas também com os EUA e a Inglaterra. Precisamos de uma diplomacia profissional, madura.