Título: México escolhe hoje o presidente
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Internacional, p. A18

Depois de uma campanha de seis meses dominada por ataques pessoais entre os principais candidatos, que, segundo alguns comentaristas, deu mais razões às pessoas para não votar do que comparecer às urnas, cerca de 50 milhões de mexicanos escolherão hoje um novo presidente. Ironicamente, o próprio presidente do Instituto Federal Eleitoral, Luiz Carlos Ugalde, que é o principal árbitro do pleito, disse que a taxa de comparecimento entre os 71 milhões de votantes inscritos deverá ser o fator que decidirá o vencedor entre os dois candidatos principais, dos cinco que se apresentaram.

O esquerdista Andrés Manuel Lopez Obrador e o direitista Felipe Calderón terminaram a campanha tecnicamente empatados nas pesquisas. A vitória de um ou de outro poderá ser determinada pela escolha que 5 milhões de eleitores indecisos fizerem no momento de votar numas das 130 mil seções eleitorais espalhadas pelos 32 Estados mexicanos. Se a diferença entre eles for de pelo menos 1% na apuração das urnas de 6.700 seções que compõem a amostragem do eleitorado, o Instituto Federal Eleitoral (IFE) anunciará o vencedor três horas depois do encerramento da votação, às 11 da noite.

Na hipótese - improvável, segundo Ugalde - de isso não ocorrer, a primeira eleição presidencial mexicana realizada na plenitude democrática pode terminar numa crise política, em lugar da festa cívica que todos esperam, no ambiente politicamente bem menos tenso que prevalece hoje no país, comparado com seis anos atrás, apesar do comportamento lamentável dos candidatos. Na quarta-feira, ao encerrar sua campanha com um grande comício, López Obrador deixou no ar a possibilidade de contestar o resultado, se não for declarado vencedor. "Precisamos ganhar por maioria ampla para que não nos neguem o triunfo", disse ele.

Em jogo está muito mais do que o nome do sucessor de Vicente Fox, o ex-governador de Estado que, seis anos atrás, num outro 2 de julho, encerrou as sete décadas do regime monolítico do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Trata-se de escolher entre duas opções diametralmente opostas, em conteúdo e estilo. López Obrador, do Partido Revolucionário Democrático (PRD), é um populista de esquerda oriundo do PRI que se projetou como figura nacional durante os cinco anos em que ocupou a prefeitura da Cidade do México, até 2005 . Felipe Calderón Hinojosa, ex-ministro da Energia do atual governo, é um político conservador desprovido de carisma que não era sequer o nome preferido da direção do Partido de Ação Nacional (PAN), de Fox, e brigou para conquistar a candidatura.

López Obrador concorreu como paladino dos pobres e adversário das elites, que chamou de "parasitas", "sanguessugas" em vários discursos. Ele quer tornar nacionais programas de renda mínima para idosos e mães solteiras que iniciou na Cidade do México, e diz que manterá intato o monopólio estatal nos setores petroleiro e de eletricidade. Provinciano, viajou para o exterior apenas duas vezes na vida - para Cuba e EUA - e acha que "a melhor política externa é uma boa política interna".

Calderón é o candidato da continuidade. Apoiado pelo empresariado e pela classe média urbana que se beneficiaram com a integração do México na economia global nos últimos 12 anos, pretende retomar a agenda de reformas estruturais nas áreas tributária, previdenciária e energética que Fox abandonou depois de vê-las travadas no Congresso pela oposição do PRI e do PRD.

As diferenças que separam os candidatos acabaram, no entanto, ficando em plano secundário em meio ao clima polarizado criado pelas investidas incendiárias de López Obrador contra "os de cima" e os revides de Calderón, que ganhou pontos e chegou a assumir a dianteira da disputa comparando seu adversário ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que é impopular no México, e afirmando que ele levará o país de volta à instabilidade econômica do passado.

Uma vitória de López Obrador, considerado favorito pelas pesquisas, será interpretada como mais um triunfo da esquerda na América Latina. A eleição de Calderón porá em questão a tese segundo a qual a região se desencantou com o modelo orientado pelo mercado. A realidade, contudo, é que o vencedor, seja quem for , não terá muito espaço para levar adiante seu programa. Os eleitores, que renovarão também um terço do Senado e da Câmara de Deputados, devem manter a divisão do Parlamento em três blocos com força semelhante e a paralisia política que tolheu Fox paralisará também seu sucessor.