Título: Eleição muda hoje futuro da Bolívia
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Internacional, p. A22

A Constituição boliviana de 1967, reformada em 1994, foi apontada nos últimos anos como um dos entraves para a estabilidade do país, por não privilegiar o equilíbrio entre os poderes e manter à margem das decisões políticas a imensa maioria indígena e miserável da Bolívia.

Hoje, 3.713.315 bolivianos vão às urnas para eleger 255 representantes encarregados de sepultá-la definitivamente e redigir uma nova Carta. Esses mesmos eleitores também serão convocados a dizer "sim" ou "não" à concessão de mais autonomia para os departamentos do país.

Embalado por uma popularidade de aproximadamente 80%, o presidente boliviano, Evo Morales, deve ajudar a eleger pelo menos 150 membros de seu partido, o Socialismo (MAS). Só não obterá uma maioria ainda mais folgada porque a Justiça Eleitoral adotou um mecanismo para garantir a representação de vários partidos na redação da nova Constituição (ler ao lado).

Mesmo assim, Evo - admirador dos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e de Cuba, Fidel Castro - terá espaço político suficiente na Assembléia para assegurar a redação de uma Constituição que lhe permita realizar mudanças profundas no país. Evo, ex-líder sindicalista dos plantadores de coca da região do Chapare, venceu a eleição de 18 de dezembro no primeiro turno com a promessa de "refundar a Bolívia".

"Como o MAS deve conquistar sozinho mais da metade das cadeiras da Assembléia, há o risco de a nova Constituição reforçar ainda mais os poderes do presidente, algo semelhante ao que aconteceu na Venezuela em 1999, quando partidários de Chávez aprovaram uma Carta que lhe deu poderes quase imperiais", disse ao Estado o professor de Ciências Políticas Alberto Navajo, da Universidade Autônoma. "É quase certo, por exemplo, que a próxima Constituição abrirá caminho para que o governo promova a nacionalização total dos recursos naturais e estabeleça regras para a realização de uma reforma agrária ampla."

A popularidade de Evo se deve muito à decisão de nacionalizar as operações de hidrocarbonetos (gás e petróleo) no país em 1º de maio. A maior prejudicada com a medida foi a brasileira Petrobrás, principal investidora estrangeira no país - no qual injetou US$ 1,5 bilhão nos últimos dez anos. Pelo decreto de nacionalização, a Petrobrás deverá tornar-se apenas sócia minoritária da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolivia nas operações de gás e petróleo.

Cerca de 100 famílias de brasileiros que produzem soja em Santa Cruz também estão na alça de mira de Evo, que pode ganhar com a nova Constituição instrumentos legais para expropriar suas terras para fins de reforma agrária. O ministro da Agricultura, Hugo Salvatierra, já deixou claro que serão confiscadas todas as propriedades cujos documentos contenham irregularidades.

Santa Cruz é também o epicentro do movimento por autonomia. Embora alguns movimentos mais radicais do departamento defendam a criação de um novo Estado independente na região, a autonomia que os crucenhos pretendem aprovar hoje é bem mais modesta. "Tudo o que queremos é gerir nossos recursos e administrar nosso departamento", afirmou ao Estado o porta-voz do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, Daniel Castro.