Título: Psicologia, biologia e as preferências sexuais
Autor: Suzana Herculano-Houzel
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Vida&, p. A32

Preferência sexual: biologia ou psicologia? Você gosta de homens ou de mulheres? Acha que isso é uma escolha consciente ou mera constatação das preferências do seu cérebro? Acredita que um único gene possa interferir no seu comportamento? Preferência sexual, afinal, é biologia ou psicologia?

Sexo é um assunto tão importante que existem regiões do cérebro dedicadas a ele. Várias ficam no hipotálamo, estrutura responsável pela regulação de diversos aspectos do funcionamento do corpo, como freqüência cardíaca, pressão arterial e comportamentos complexos, como aproximação sexual.

Em artigo publicado nesta semana na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, um grupo de pesquisadores mostrou que o bloqueio da produção de um único receptor para hormônios femininos em uma área específica do hipotálamo é suficiente para abolir o comportamento sexual de camundongos fêmeas. Com o hipotálamo tornado insensível a estrogênio, as fêmeas adultas deixam de aceitar investidas dos machos. Pior: elas passam a rejeitá-los. E tudo isso porque um único gene foi silenciado.

Outros artigos publicados recentemente também acrescentaram lenha à fogueira da preferência sexual, e dessa vez em humanos. Dois estudos de pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, mostraram que diferenças no hipotálamo estão associadas à sexualidade.

Para desespero daqueles que acham que podem "consertar" as preferências sexuais dos outros, toda a neurociência aponta para uma determinação biológica (genética e hormonal) e precoce (ainda no útero) da preferência sexual. Que padres e políticos esperneiem à vontade, mas não há qualquer evidência de que o ambiente social influencie a preferência sexual humana. Cerca de 10% dos homens e das mulheres procuram preferencialmente parceiros do mesmo sexo, e o número não muda entre pessoas criadas por pai e mãe, dois pais, duas mães, com religião ou sem ela. Não se trata, portanto, de "opção" sexual. Ao que parece, a preferência sexual está associada à maneira como o hipotálamo responde a feromônios.

Feromônios são substâncias produzidas por indivíduos de uma espécie que são detectadas por outros indivíduos da mesma espécie e produzem nestes alterações fisiológicas e comportamentais. Numa definição mais ampla, feromônios são usados pelas mais variadas espécies para unir gametas, promovendo o encontro dos seres que os transportam.

O esquema é engenhoso: cada indivíduo produziria o feromônio característico da sua espécie, na versão "homem" ou "mulher", dependendo do tipo de gameta, e esse feromônio surtiria um efeito avassalador sobre o cérebro de indivíduos do sexo oposto. Portadores de gametas de um e outro tipo então se aproximariam, passando pela versão de paixonite aguda possível àquela espécie, e acabariam por, digamos, colocar seus gametas em contato.

Todos os feromônios são voláteis: entram pelo nariz, onde são detectados pelo órgão vomeronasal (e não pelo epitélio olfativo, razão pela qual não têm cheiro detectável), e esse órgão encaminha a informação ao hipotálamo. Nos homens heterossexuais o hipotálamo responde fortemente ao feromônio feminino EST. Nas mulheres, o hipotálamo responde ao feromônio masculino AND.

Ocorre então uma cascata de eventos na amígdala, no córtex cerebral e no sistema de recompensa, entre outros, que provocam excitação sexual e fazem com que se busque o dono ou dona do feromônio que ativou o hipotálamo. Eles preferirão se aproximar delas, e elas, deles - sem saber que tudo começou no nariz.

Segundo os estudos suecos, no entanto, nem todo hipotálamo masculino responde a feromônios femininos, e nem todo hipotálamo feminino prefere feromônios masculinos. A resposta do hipotálamo concorda não com o sexo da pessoa, e sim com sua preferência sexual.

O que cada um faz com a sua preferência sexual já é outra estória, esta sim uma opção, que lamentavelmente deve levar em conta todas as dificuldades psicológicas que a discriminação traz. Mas, até onde se sabe, para a neurociência a preferência sexual é biológica, e não psicológica. Tentar mudá-la é como insistir que uma pessoa troque a cor da pele ou se torne mais baixa. É inviável, é inútil e é injusto.

* Suzana Herculano-Houzel é Ph.D. em Neurociência pela Universidade Paris 6 e docente da Universidade Federal do RJ