Título: Para quitar dívidas, só vendendo a terra
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

Após três anos de frustrações e vendo a sua atividade ameaçada por dívidas próximas a R$ 1 milhão, o agricultor Clóvis Flach decidiu vender 200 dos 600 hectares que vinha cultivando com familiares em glebas espalhadas pelos municípios de Selbach, Cruz Alta e São Borja, no Rio Grande do Sul. "Por orgulho, o produtor rural gaúcho não gosta de admitir um recuo como este", comenta. "Mas estou reconhecendo porque essa é a nossa realidade atual."

Casos semelhantes ao de Flach ocorrem em todo o Estado e podem ser explicados por uma sucessão de fatores que levou a agricultura gaúcha da euforia à depressão em quatro anos. "Em 2002, quando o presidente Lula assumiu, havia a perspectiva de aumento do consumo interno de alimentos nos animando", recorda Flach. Em 2003, a cotação da saca de soja passou de R$ 50. Animados, os produtores rurais investiram como nunca, comprando terras e máquinas agrícolas e modernizando as propriedades.

O quadro começou a mudar em 2004, quando uma estiagem dizimou boa parte das lavouras de soja e milho. A desgraça se repetiu e se ampliou em 2005, levando a colheita de grãos a ficar abaixo de 30% da previsão inicial. Em 2006, apesar de estiagens isoladas em algumas microrregiões, a safra foi boa. Mas os preços pagos pela saca de soja não chegam a R$ 25, menos da metade da cotação de 2003. "Precisaríamos de pelo menos R$ 35 para sobreviver", calcula Flach. "Nesses anos todos, o custo da produção e o custo fixo continuaram crescendo", compara.

Apesar das agruras, Flach não mudará de ramo. Vai quitar parte dos débitos com a venda das terras. E em agosto estará preparando as áreas mantidas para um novo plantio, na expectativa de que a próxima colheita seja farta e ajudada pela cotação do grão e pelo câmbio.