Título: 'Saída de ministro é só uma nuvenzinha na trovoada'
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

A saída de Roberto Rodrigues do Ministério da Agricultura não mexeu com a rotina dos irmãos Ghirghi, em Taquarivaí, sudoeste do Estado de São Paulo, a 260 quilômetros da capital. "É só mais uma nuvenzinha negra num céu de trovoada", compara Ricardo Ghirghi, de 36 anos, o mais velho dos quatro irmãos.

Como a maioria dos agricultores, os Ghirghis chegam ao fim de um ano agrícola muito difícil, com prejuízo. Nesta safra, vão plantar 1 mil hectares a menos. Para Ricardo, a esperança está na "mudança de governo".

Os Ghirghis estiveram entre os agricultores que fecharam rodovias, em maio, para protestar contra a crise. Na região, eles são tidos como bem preparados empresários rurais, apesar de jovens. Ricardo e Nicolau, de 28 anos, o mais novo, engenheiro agrônomo, como o ministro, administram a produção dos 3,5 mil hectares que a família cultiva todo ano na Fazenda Água Clara, em Taquarivaí, e numa nova fronteira agrícola, no interior do Piauí.

Os irmãos do meio, Renato, de 34 anos, e João, de 32, cuidam da administração e da comercialização. Além da produção própria, eles prestam serviços de colheita, transporte, secagem e armazenamento de grãos para outros agricultores. As lavouras dos Ghirghis são de primeiro mundo: 100% da área em plantio direto, 70% sob pivôs de irrigação, todo solo é tratado, usam sementes e fertilizantes de primeira linha, têm uma frota de máquinas e colheitadeiras moderna e um dos maiores conjuntos de silos e secadores da região, com capacidade para 260 mil sacas.

Com tudo isso, nas duas últimas safras, a produção de soja, milho, feijão e trigo ficou abaixo das expectativas por causa do clima e os preços não cobriram os custos. No caso da soja, a incidência da ferrugem asiática reduziu ainda mais a produção. "Se tivéssemos um governo com interesse pela agricultura, seriam tomadas medidas para, pelo menos, garantir uma receita mínima para o produtor", criticou Ricardo.

Isso poderia ser feito, segundo ele, com uma política de preços mínimos reais e de juros mais baixos para o agricultor. "O governo poderia ter segurado o dólar num patamar melhor. O ministro tentou, mas não conseguiu nenhuma medida efetiva a nosso favor."

A renegociação da dívida agrícola do último pacote, segundo ele, teve alcance parcial e sabor eleitoral. "É uma coisa que se repete. As dívidas são empurradas para a frente, mas as causas não são corrigidas." O sucessor de Rodrigues, acredita, terá pouca ou nenhuma influência. Ele conta que a expectativa foi maior com a saída do ministro Antonio Palocci, responsável pela política econômica do governo, mas nada aconteceu. "Esse governo já era."