Título: Acordo na OMC é adiado. Outra vez
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2006, Economia & Negócios, p. B11

Depois de selado o fracasso dos pré-acordos sobre agricultura e indústria da Rodada Doha, na noite de sexta-feira, os sócios da Organização Mundial do Comércio (OMC) tentaram ontem recolher os cacos e evitar o enterro das negociações.

Diferentes agrupações e protagonistas atacaram a posição encastelada dos Estados Unidos sobre a redução dos subsídios a seus agricultores, considerada a chave do desastre. Mas cuidaram para deixar aberta uma margem para recuperar o fôlego das negociações e concordaram com uma atuação mais livre e firme do diretor-geral da organização, o francês Pascal Lamy. Com o tempo cada vez mais escasso, a expectativa agora está voltada para a conclusão desses e de outros pré-acordos até o final de julho.

"Não houve progresso. Estamos em crise. Temos de ser lúcidos para admitir isso", reconheceu Lamy, ao final da sessão plenária dos 149 membros da OMC reunidos no Comitê de Negociações Comerciais, na tarde de ontem. "Eu ainda acredito que as diferentes posições não estão emparedadas. Há consenso sobre continuar as negociações. Ou seja, estamos em crise, mas não em situação de pânico."

Lamy ressaltou que o único fator que tornará possível concluir o acordo até o final deste ano é a apresentação de novas concessões pelos países desenvolvidos. Dos EUA, esperam-se mais cortes de subsídios agrícolas domésticos. Da UE, mais abertura de mercado do setor.

O clima entre os diferentes países e agrupações da OMC, entretanto, era de artilharia na tarde de ontem. A representante dos EUA para o Comércio (USTR), Susan Schwab, e o secretário de Agricultura, Mike Johanns, defenderam à exaustão a proposta de corte de 53% no total de subsídios domésticos - o que equivale à redução de 60% nos programas mais distorcivos, a chamada caixa amarela. Qualificaram a oferta como "dramática" e como a "melhor até o momento". Mas voltaram as baterias contra a UE.

A indicação dos europeus de que poderiam aproximar sua proposta de abertura agrícola à do G-20, o que elevaria seus cortes tarifários de 39% para 51%, foi tachada como "insuficiente e irrelevante".

A razão está na posição imóvel de Bruxelas sobre a lista de produtos sensíveis, que estarão imunes a esses cortes, e que poderia conter 8% dos itens agrícolas, com tratamento ainda indefinido. Para os americanos, possíveis ganhos com o corte tarifário, mesmo que alcance 60%, seriam corroídos pelas exceções abertas a produtos sensíveis e especiais e às salvaguardas. "Essa proposta não garante a liberalização que esperamos e o aumento de fluxo comercial", afirmou Susan.

Essas posições, entretanto, não suavizaram os ataques de quase a totalidade das agrupações da OMC a Washington."A proposta dos EUA reduziria seus subsídios domésticos para US$ 22 bilhões. Se compararmos com os atuais gastos, que foram de US$ 18 bilhões, a proposta é ridícula. Há um aumento de US$ 3 bilhões", resumiu o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, igualmente encastelado na posição sobre abertura agrícola.

Na avaliação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, os negociadores americanos "vieram a Genebra ainda amarrados". Os sinais mais positivos dos europeus, entretanto, vieram tarde.

Diplomatas brasileiros acreditam que Susan retorna a Washington vitoriosa de sua primeira grande missão: não cedeu, embora não tenha ganhado.

"Se houver uma indicação sem ambigüidade dos EUA de fazer uma redução real nos subsídios domésticos, ainda que condicionada, a negociação será desencadeada", afirmou Amorim.

O desastre anunciado desde anteontem favoreceu uma nova aposta do ministro Amorim - a ampliação dos entendimentos entre economias em desenvolvimento, a partir de um encontro entre nove agrupações, entre as quais o G-20. Na Conferência Ministerial de Cancún, em 2003, sua aposta havia sido na criação do G-20.

Agora, em Genebra, Amorim destacou que esse "G-20 plus", como batizou, traz uma união assentada em "propostas concretas", mas não tem um componente de disputa entre ricos e pobres.

Essa frente reúne o G-20, os grupos das economias menores, dos mais vulneráveis, dos africanos, dos caribenhos, dos defensivos na área industrial, dos ofensivos na redução de subvenções ao algodão e das ex-colônias européias. No documento final da reunião que mantiveram ontem fincaram pé em três pontos relevantes para todos.

Primeiro, que não devem ser renegociados ou reescritos os princípios definidos nas conferências de Doha, em 2001, e de Hong Kong, em 2005. Segundo, que a prioridade da Rodada está na redução das barreiras para o acesso de seus produtos aos mercados de países desenvolvidos. Terceiro, que os resultados não tragam "desindustrialização do mundo em desenvolvimento".