Título: Falsa pena máxima
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Em certos julgamentos de grande repercussão pública, como esse dos assassinos dos jovens namorados, Liana e Felippe, em razão da extrema crueldade com que foram praticados os crimes, vêm à tona duas desproporções aberrantes: uma é o tamanho da punição legal para a atrocidade praticada e outra é a diferença entre a pena fixada e a que deve ser, efetivamente, cumprida. Se já existe uma leniência legal em relação ao tamanho das penas - especialmente se cotejada nossa lei penal com a que vige na maioria dos países civilizados - no processo da execução penal, com a possibilidade de reduções substanciais dos tempos de prisão por meio da progressão, as distorções são ainda mais profundas, tornando-se causas do descrédito na Justiça.

Os sete jurados foram unânimes em condenar três dos cinco homens que seqüestraram, violentaram e mataram o casal Liana Friendebach e Felippe Caffé a penas de 124 anos, 47 anos e 6 anos. Mas, apesar de estes números impressionarem, não têm eles correspondência alguma com a realidade, primeiro porque qualquer que seja a pena, ninguém pode permanecer preso por mais de 30 anos; e segundo porque quase sempre há possibilidade de redução da pena até pela metade, sendo raríssimo alguém chegar a cumprir 30 anos em regime fechado. O advogado do réu Agnaldo Pires - o que ficou com Liana no cativeiro e a estuprou várias vezes -, apesar de reconhecer o crime como "pavoroso", considerou a pena "bastante alta", devendo entrar com recurso na Justiça para reduzi-la.

Mas, o mais chocante é que o principal autor desse crime pavoroso - R.A.A.C., o Champinha, de 19 anos, que seqüestrou, estuprou, torturou e ofereceu a jovem (de 16 anos) aos comparsas durante 4 dias, para depois matá-la com 15 facadas - pode ser logo solto, pelo fato de já estar internado há quase três anos na Febem e não haver um laudo de sanidade que determine se ele é são ou não. É verdade que em 2004 foram divulgadas duas análises médicas, ou pareceres, sobre o interno: a primeira, feita pela Febem em março, apontou que Champinha sofre de retardo mental moderado, tem tendência a agir impulsivamente, sem se preocupar com as conseqüências, e precisa da presença constante de uma autoridade, pois "pode ser influenciado". A segunda análise, feita em outubro daquele ano pelo Instituto de Medicina Social e Criminológica de São Paulo (Imesc), concluiu que ele "apresenta periculosidade latente, por ser influenciável". A atrocidade cometida pelo rapaz necessitaria de tal "explicação científica", para ser entendida?

Mas o criminalista Francisco Ruiz, afirmando que um laudo de sanidade mental consiste em um estudo profundo, pesquisa toda a origem do examinado, investiga a família e levanta informações pessoais, como o tipo de parto, diz que, no caso Champinha, "teme que sua internação seja prorrogada sem ser feita toda essa análise". E conclui: "No meu ver, falta amparo legal para mantê-lo preso." O advogado não está errado. O que está escandalosamente errada é a lei. É a maioridade penal vigente no Brasil e o famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) que propiciam a enorme quantidade de facínoras impuníveis em razão da idade, mesmo que possuam - como na maioria esmagadora dos casos possuem - o pleno discernimento da pessoa adulta e lhes faltem apenas alguns dias para atingir a condição de responder por seus próprios atos.

Em grande parte dos países, a maioridade penal é estabelecida aos 14 anos e em alguns até menos. É claro que, com o grande desenvolvimento dos processos de comunicação e transmissão de informações, nos dias de hoje, o jovem está cada vez mais longe de preservar o desconhecimento e a ingenuidade dos tempos antigos, quando se lhes dava responsabilidade criminal apenas a partir dos 18 anos de idade. O desfrute da impunidade dos menores leva quadrilhas a arregimentá-los, assim como dificulta - até à inviabilidade - a aplicação das medidas socioeducativas para infratores, em estabelecimentos do tipo Febem.

Sem dúvida alguma, a impunidade dos menores infratores e a falsa "pena máxima" - falsa porque é sentenciada, mas não cumprida - imposta a facínoras são grandes fatores de estímulo à criminalidade em nosso meio.