Título: Um quente e dois fervendo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Nacional, p. A6

Candidata à Presidência da República pelo PSOL, festejada como fato novo na eleição, a senadora Heloísa Helena carrega com vagar o andor das intenções de votos que elevaram seu nome para o patamar dos dois dígitos nas duas últimas pesquisas de opinião. Na média, aparece com 10%, mas chega a ter 15% no Rio de Janeiro.

É um salto para quem estava na marca dos 4%, quando muito 6%, mas ela prefere avaliar o cenário com cautela e pouquíssimo otimismo. "Sou estatisticamente insignificante, não tenho estrutura nem dinheiro, nada que nem de longe possa ser comparado às candidaturas maiores. Além disso, a pesquisa mostra um eleitorado volátil, disposto a mudar de posição."

Moderada no que tange a comemorações a respeito do próprio desempenho, Heloísa Helena não exibe tanta frieza quando o assunto são os ataques do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Ela ficou particularmente injuriada ao ser chamada de "udenista" e "candidata de direita".

Ela vislumbra aí um aperitivo do que está por vir em matéria de artilharia pesada. Se forem críticas de natureza política e ideológica, ela assume, enfrenta e, na medida do possível, aceita. Mas se o caso for de ordem pessoal ou surgirem "acusações mentirosas", avisa desde já: "Se vierem com provocação, se procurarem me atingir pessoalmente, vão levar uma tacada que nunca mais vão esquecer."

O que consistiria exatamente essa "tacada" a senadora prefere não antecipar, mas deixa patente que não está "para brincadeira" nessa campanha e muito menos se deixará intimidar. "Vou fazer um esforço para me manter serena, mas também não ficarei com medo deles. Posso até perder, mas não volto para a sala de aula na universidade de Alagoas levando desaforo."

Por "eles" aí, entenda-se o PT onde ela fez toda sua trajetória política e onde residem também todas as mágoas decorrentes das divergências resultantes na expulsão dela e mais três parlamentares ao fim do primeiro ano de governo Luiz Inácio da Silva.

Mas, entre seus inimigos de campanha, Heloísa Helena inclui outros fatores além dos embates com os antigos companheiros de partido. Há dois preponderantes: a descrença na sua possibilidade real de vitória que afugenta o eleitorado referido no pragmatismo, e a imagem radical.

"Nossas propostas têm pouca visibilidade porque somos considerados loucos", diz.

A senadora ainda não sabe direito como fará para transpor esses obstáculos, uma vez que, reconhece, seu sucesso está mais ligado à forma, à maneira como o eleitorado a vê, do que propriamente ao conteúdo de suas idéias. "Sou desconhecida por 68% do eleitorado."

Os instrumentos à disposição para tirar a diferença são os debates e o horário eleitoral gratuito. Naqueles terá condições iguais às dos outros, mas neste fica em franca desvantagem com seu único minuto contra 10 de Geraldo Alckmin e 7 de Lula.

Descontada as vinhetas de apresentação e encerramento, sobram 40 segundos que Heloísa Helena tentará aproveitar para mostrar suas propostas de educação, saúde, segurança, economia etc. "Vou dividir os temas e abordar um de cada vez."

Preferencialmente, não dará prioridade ao assunto corrupção ou a acusações. Desde, claro, que os adversários observem limites. "Eles não têm autoridade moral para tocar em mim. Se tocarem,vou reagir."

Querer e poder

O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, busca demonstrar confiança quando fala em atrair o apoio integral do PMDB já no primeiro turno. Como todo mundo sabe que os pemedebistas se movem em consonância com as perspectivas de poder à disposição, quando Alckmin aventa a hipótese da adesão, pretende dar ao eleitor a impressão de favoritismo.

A realidade, ao menos por enquanto, é outra. Para sonhar com a unanimidade naquele reino do pragmatismo - para não dizer fisiologismo -, o tucano ainda precisa comer muito arroz com feijão em matéria de pesquisas e não esquecer que Lula já pagou parte da fatura antecipada abrindo ao PMDB as portas (e janelas) dos Correios.

Cenário ideal

A subida dos índices de Heloísa Helena nas pesquisas aparentemente prejudica o PT. É fato. Mas, diante do inevitável, também reacende no partido esperanças na realização de um sonho impossível: disputar com ela, e não com Alckmin, o segundo turno.

Não é por outro motivo, nem por acaso, que o presidente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e outros que ainda estão por se manifestar no mesmo sentido, saúdam o crescimento da candidata do PSOL.

Mas os movimentos são múltiplos: enquanto a ala, digamos assim, moderada, faz a cortesia, o grupo mais radical ataca a fim de assegurar a desqualificação.

Se não conseguirem com isso conter a trajetória ascendente, garantem ao menos um quadro em que o voto útil seja o grande, e definitivo, aliado de Lula.

A hipótese parece improvável, mas faz parte do quadro de análises do governo.