Título: Incra vai lotear área que servia a traficantes
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Nacional, p. A13

Numa operação inédita na história do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma fazenda que já serviu de base de operações para narcotraficantes será comprada e destinada à reforma agrária. Trata-se da Fazenda Quinta da Bicuda, localizada no município de Varjão, interior de Goiás, a 50 quilômetros da capital. Ela ficou conhecida em setembro do ano passado, no desfecho da Operação Caravelas, quando a Polícia Federal encontrou 1.600 quilos de cocaína escondidos em carne congelada, que seria exportada para a Europa, e constatou que a fazenda servia de base para a operação legal.

Logo após a denúncia, um grupo de sem-terra invadiu a área, exigindo que fosse desapropriada e destinada à reforma agrária. Mas, como as leis envolvendo o narcotráfico só prevêem desapropriações em caso de áreas com plantio de drogas, o Incra seguiu outro caminho: negociou a saída dos sem-terra e ao mesmo tempo apresentou uma proposta de compra à Justiça Federal de Goiás, que cuida do caso.

Nesta semana a oferta foi aceita. A Justiça mandou o Incra depositar em juízo o valor da propriedade, assim que ele for definido por uma equipe de técnicos.

De acordo com a lei, o valor correspondente à terra deve ser pago em títulos da Dívida Agrária (TDAs), enquanto as benfeitorias serão pagas em dinheiro. Esses valores depositados na Justiça ficarão indisponíveis até que o processo de investigação do caso acabe. Se o dono da fazenda for inocentado das acusações de envolvimento com o narcotráfico, poderá receber tudo. Caso contrário, os recursos voltarão para a União.

Nos próximos dias, assim que o pagamento for efetuado, o Incra receberá autorização para ocupar a área, que tem mil hectares, e iniciar o assentamento de um conjunto de 60 famílias. A terra na região é considerada de boa qualidade e poderá ser usada para o plantio de grãos e criação de gado.

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, elogiou o encaminhamento judicial do caso. "Muita gente vai perguntar porque vamos indenizar o proprietário, se ele é acusado de envolvimento com o narcotráfico", disse ele. "Acontece que a lei não prevê desapropriações nesse caso. Por isso fiquei alegre com a decisão da Justiça Federal. Ao mesmo tempo em que combate o narcotráfico, possibilita a realização da reforma agrária."

Por outro lado, Hackbart lamentou a lentidão dos processos de desapropriação de áreas com maconha. "Estão em andamento vários processos de desapropriação de terras em que foi encontrado plantio de maconha, mas eles nunca chegam ao fim porque não se encontram os nomes dos proprietários", disse. "São esquemas bem montados com os laranjas."