Título: Ruas inteiras desapareceram em bairro xiita de Beirute
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Internacional, p. A14

Há guerras em que um prédio bombardeado é mostrado de tantos ângulos diferentes que a maioria dos telespectadores acaba acreditando que a cidade inteira foi devastada. O truque não é necessário em Beirute. Em Haret Hreik, o cinegrafista que quiser mostrar as conseqüências da guerra só precisa manter a câmera ligada - ruas inteiras desse subúrbio de Beirute deixaram de existir.

Um passeio de automóvel pelos subúrbios do sul da capital libanesa é como um pesadelo onde as coisas só pioram. No início, apenas o cheiro de queimado nos lembra que as ruínas ao longo da rua não datam da guerra anterior. Em seguida vêm as crateras abertas por bombas no asfalto, então um posto de gasolina incendiado e um viaduto recém-destruído.

Mas só quando descemos dos carros marcados com a sigla TV e seguimos a pé é que compreendemos a catástrofe que ocorre em Haret Hreik nesses dias. Há mais destruição, mais escombros a cada esquina - até que a enorme quantidade de concreto despedaçado simplesmente bloqueia o caminho, impedindo-nos de avançar ainda mais no caos.

Estima-se que até 700 mil pessoas moravam nos subúrbios do sul de Beirute. Não se sabe exatamente quantas chamavam Haret Hreik de lar. Mas uma coisa é clara: o distrito ficou completamente deserto. O bairro de classe trabalhadora e maioria xiita, um reduto do Hezbollah entre o centro da cidade e o aeroporto, foi atacado a ponto de se tornar inabitável. E as bombas continuam caindo várias vezes por dia. As únicas pessoas que continuam a freqüentar a vizinhança são as que não têm escolha - e elas não ficam mais que o necessário.

Carros passam pelas ruas a 100 km/h - ruas onde os motoristas costumavam ficar presos em engarrafamentos. Pedestres caminham apressados, lançando olhares preocupados para o céu. Como se ajudasse: só dois segundos separam o som de um caça israelense da detonação no solo, dizem eles. Não há tempo para procurar abrigo.

Homens armados vigiam alguns cruzamentos. Sua missão é desencorajar saqueadores e surpreender espiões israelenses. Estes são suspeitos de estar em toda parte desde o início da guerra. Alguns representantes do Hezbollah que aceitaram levar um grupo de jornalistas a Haret Hreik consultam membros da milícia. O bairro está seguro? A resposta é vaga - movam-se rápido, em nenhuma hipótese permaneçam no mesmo lugar por muito tempo.

O grupo passa por quartos que perderam as paredes externas e lojas que perderam as portas de metal em explosões. Os líderes do Hezbollah estão nervosos. O último ataque nestas ruas ocorreu há apenas algumas horas. O próximo pode ser iminente.