Título: Decepcionados e isolados, brasileiros do Vale do Bekaa perdem esperança
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Internacional, p. A18

No primeiro dia do que era para ser uma megaoperação, o Itamaraty conseguiu retirar apenas 111 brasileiros do Líbano e da Síria. Um ônibus levando 54 passageiros saiu da frente do consulado brasileiro em Beirute pela manhã e outros dois partiram no meio da tarde de Damasco com 57, ambos com destino à Turquia. Em termos numéricos, a parte mais importante do plano era enviar veículos ao Vale do Bekaa para o transporte de cerca de 1 mil pessoas que estão lá isoladas. O acerto era de que os ônibus sairiam da Síria, entrariam em território libanês na manhã de ontem e voltariam para Damasco, de onde partiriam para a Turquia.

Menos de 12 horas antes do horário previsto para a chegada dos ônibus, o Itamaraty cancelou tudo, para o desespero dos brasileiros.

Muitos brasileiros que residem no Líbano vivem na região conhecida como Vale do Bekaa. Uma parte deles nasceu ou se naturalizou no Brasil e depois mudou para o Oriente Médio e a outra fica numa espécie de ponte aérea. Ao todo, são entre 4 mil e 5 mil pessoas. Ontem, depois do cancelamento, o clima na região era de total abatimento e desamparo. "Viajar daqui para Beirute eu não vou nem morto", diz Nagib Barakat, filho do brasileiro que morreu quando três mísseis israelenses atingiram sua fábrica de móveis, a Florence, na quarta-feira. A única estrada que restou entre a região e a capital libanesa é de fato perigosa. Na descida para Zahle, duas carcaças de caminhão e um carro destruído ainda estão no mesmo lugar onde foram alvejados na quarta-feira. Ao sul de Zahle, a estrada tem um desvio por causa da bomba que acabou com uma fábrica de vidros, matando cinco pessoas a 2 quilômetros da casa de brasileiros, também na quarta-feira.

A situação no vale está longe de se igualar à do sul, mas os ataques têm sido diários desde o começo desta guerra. Um dos mais recentes foi na hora do enterro de Dib Barakat, o pai de Nagib, no cemitério que fica ao lado da casa da família, a menos de 10 quilômetros da fronteira com a Síria. Algumas das poucas pessoas que se arriscam na tentativa de chegar a Beirute amarram lençóis brancos na carroceria dos carros esperando que os pilotos israelenses as poupem. Sem ter coragem ou dinheiro para sair e sem nenhuma autoridade para os resgatarem, os brasileiros do vale perderam as esperanças. Gihad Azanki, o maior organizador da retirada, diz que já desistiu: "Agora só Deus para nos ajudar." Zahra Rada Naddi implora uma resposta: "Por que não nos tiram daqui, o que está faltando, explica para mim, me diz o que é preciso fazer?"

A explicação para o cancelamento é truncada. Fala-se que a ordem partiu de Brasília, após consultas com a comunidade sírio-libanesa no Brasil. Há também a versão de que seria muito arriscado fazer os ônibus cruzarem a fronteira, pois Israel tem acusado a Síria de mandar armamento ao Hezbollah. As pessoas que dão essa justificativa não encontram resposta para a pergunta sobre por que não se resolve esse problema com um simples comunicado ao governo israelense.