Título: Área de tecnologia não tem destaque na SBPC
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2006, Vida&, p. A20

A 58ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) terminou ontem, em Florianópolis, sem que a área de tecnologia tenha conseguido o destaque esperado. No maior encontro científico da América Latina, setores como a biodiversidade tiveram muito mais para mostrar.

Cerca de 10 mil pessoas participaram do evento, que incluiu a SBPC Jovem, voltada para crianças e adolescentes. O encontro na capital catarinense durou seis dias.

As palestras de tecnologia foram demasiadamente técnicas. E o setor apresentou poucos trabalhos de caráter prático, o que mostra que as ciências exatas ainda são um ponto fraco do meio científico brasileiro. É um problema que a SBPC, em seu papel de defensor do avanço científico e tecnológico, ainda não conseguiu resolver.

O presidente da entidade, Ennio Candotti, reconheceu as dificuldades. A tentativa de se dar atenção às inovações tecnológicas acabou não cumprindo as expectativas da própria sociedade por ter usado linguagem muito técnica, segundo Candotti. Contudo, ele acredita que o tema deve ser mantido nos próximos encontros, uma vez que pode gerar patentes e produtos. "Precisamos de mais engenheiros e menos advogados e administradores."

Por outro lado, quando o assunto foram as ciências biológicas, a reunião da SBPC teve resultados concretos. O grupo de trabalho da biodiversidade conseguiu chegar a um consenso a respeito da necessidade de se publicarem logo as instruções normativas que regulam a atividade dos pesquisadores em campo, para retirá-los da ilegalidade.

TEMPOS COMBATIVOS

Apesar de ser hoje o maior evento do gênero na América Latina, a reunião anual da SBPC já teve momentos de maior força. Além do debate sobre temas científicos, a SBPC alcançou no regime militar o papel de uma das principais porta-vozes da sociedade civil. No decorrer dos anos 70, as reuniões da entidade serviam como tribuna para exigir anistia política e denunciar torturas.

A sociedade surgiu em 1948 justamente como reação política a uma determinação do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, de restringir as pesquisas em química orgânica e endocrinologia feitas no Instituto Butantã - para o governador, o instituto devia cuidar só da produção de soro antiofídico.

Com a abertura política, a SBPC acabou retomando suas preocupações mais específicas com a ciência. Mas, em sua 44ª reunião anual, em 1992, a entidade chegou a pedir em nota oficial a renúncia do presidente Fernando Collor.

PRESIDENCIÁVEIS

Nenhum dos candidatos à Presidência da República passou pelos corredores do evento da SBPC para apresentar propostas e escutar demandas. Mesmo a candidata do Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL), Heloísa Helena, que fez campanha em Florianópolis na segunda-feira, não apareceu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde a reunião aconteceu.

Cristovam Buarque, candidato pelo PDT, enviou apenas uma carta à SBPC em que explica, em linhas gerais, suas propostas para o setor. O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, ontem em campanha no Rio, disse que ainda não definiu quem indicará como representante do governo na SBPC, caso eleito. Na verdade, não há representantes oficiais do governo na entidade.

O presidente da SBPC confirma que não houve convites formais aos candidatos, uma vez que um deles - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta a reeleição - não poderia "fazer palanque". Candotti disse ver com "naturalidade" a ausência. "Não é hábito que eles participem de debates em um ambiente aberto."

A falta de projeção política do evento, em ano eleitoral, e da discussão sobre uma agenda para os próximos quatro anos com os candidatos causou estranhamento entre membros comunidade científica e da própria sociedade. "Sem dúvida a chance de se promover um debate com os candidatos foi perdida. Quando eles se pronunciam publicamente, assumem uma dívida", diz o físico Ildeu de Castro Moreira.

Um grupo da SBPC prepara um documento com reivindicações e comentários sobre o cenário do setor no Brasil, que será entregue a todos os candidatos à Presidência.

A próxima reunião acontecerá em Belém (PA) e terá como tema a Amazônia.