Título: Kirchner admite tensões, mas diz que isso é normal
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Economia & negócios, p. B5

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, fez nesta sexta-feira um enfático apelo para que os países do Mercosul transformem o bloco em um "ator decisivo no mundo, um interlocutor na ordem mundial". Kirchner discursou na cerimônia dos presidentes que participaram da 30ª Reunião Ordinária de Cúpula do Mercosul e países associados, realizada na cidade de Córdoba.

O argentino, que ao longo do primeiro semestre ocupou a presidência temporária do bloco, saudou a entrada do quinto sócio pleno do Mercosul, a Venezuela. Kirchner também admitiu que o bloco precisa resolver as assimetrias comerciais que prejudicam os sócios "pequenos" do Mercosul, ou seja, Uruguai e Paraguai.

Segundo o presidente argentino, "todos os acordos de integração devem gerar salvaguardas para aqueles que sofrem atrasos relativos". Neste caso, Kirchner não somente estava se referindo aos "pequenos", mas também à própria Argentina, que no início do ano conseguiu arrancar do Brasil a implementação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), um sistema de salvaguardas que pretende impedir eventuais "invasões" de produtos brasileiros no mercado argentino e vice-versa.

Kirchner admitiu que o Mercosul possui "tensões" e "divergências". Mas explicou que "são o resultado de ter que atender todos os pontos de vista". Segundo ele, "todo processo de integração é longo e difícil".

Kirchner destacou que o Mercosul quer estar integrado ao resto do mundo. "Mas não de qualquer forma", observou. "Não dá para construir uma integação enfrentando subsídios", disse, em alusão a Estados Unidos e União Européia.

Kirchner, que passou a presidência temporária do Mercosul ao Brasil, dedicou elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Nosso querido amigo Lula, que, todos nós sabemos, fará uma grande gestão, que é um grande presidente, que é um grande homem da América do Sul, e nós vamos acompanhá-lo...Ele sabe o tempo histórico que lhe toca...E que vai resolver vários assuntos pendentes do Mercosul durante sua gestão".

Os presidentes do Mercosul concordaram em impulsionar a integração energética regional. Nesse caso, destacaram os avanços no estudo do projeto do Gasoduto do Sul e anunciaram a incorporação de Bolívia, Paraguai e Uruguai no projeto.

Os presidentes também respaldaram a candidatura da Venezuela como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o período 2007-2008; defenderam o aprofundamento da união aduaneira e definiram a implementação da segunda etapa da eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC).

Eles também concordaram em avançar nas definições do cógido aduaneiro do Mercosul. Além disso, concordaram em impulsar o funcionamento do Fundo de Convergência Estrutural (Focem) durante 2006. Eles anunciaram que em breve será implementado o programa de ação "Mercosul Livre de Aftosa" e impulsionaram a liberalização do comércio de serviços. Eles também destacaram a necessidade de criação do Banco de Desenvolvimento do Mercosul (inspirado no BNDES).

Os presidentes também formalizaram o acordo marco de comércio entre o Mercosul e o Paquistão, que fixa as bases para iniciar as negociações com objetivo de aumentar os fluxos bilaterais de comércio. O Mercosul assinou ainda com Cuba um acordo parcial de complementação econômica, que estabelece preferências alfandegárias sobre 3 mil produtos.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, sentando na mesa dos participantes, fazia a saudação militar aos colegas. Minutos antes da cerimônia começar, ostentava na cabeça um boné vermelho com os dizeres "Somos todos Mercosul", que depois retirou. O venezuelano aproveitou a cúpula para desferir seus tradicionais ataques contra os EUA, denominando o governo do presidente americano George W. Bush de "louco capitalista, ambicioso, hegemônico". Segundo Chávez, os países da América Latina "têm tudo o que é necessário para ser, unidos, uma potência mundial". No final, deu o toque poético: "Não coloquemos limites aos nossos sonhos porque estamos recomeçando mais além de nossos problemas".

Do lado de fora da reunião de presidentes, um grupo de manifestantes provenientes da cidade argentina de Gualeguaychú, na área da fronteira com o Uruguai, protestava contra a construção de duas fábricas de celulose do lado uruguaio da divisa. Os manifestantes exigiam o fim das obras. O governo uruguaio sustenta que não proibirá a finalização da construção. O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, pediu o início do diálogo com o governo Kirchner.