Título: Lula assume Mercosul ampliado e prevê expansão até o México
Autor: Denise Chrispim Marin e Marina Guimarães
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Economia & Negócios, p. B6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu ontem a coordenação do Mercosul animado com a consolidação do bloco "da Terra do Fogo ao Caribe", após o ingresso pleno da Venezuela, e alimentando pretensões expansionistas. Ao final da 30ª Reunião de Cúpula do Mercosul, Lula mostrou-se disposto a agregar Bolívia, Cuba e México e comprometeu-se a trabalhar para promover a maior institucionalização do bloco, com a instalação do seu Parlamento até o fim do ano.

Entretanto, deixou claro que mantém um "otimismo temperado com apreensão e cuidado" porque o Mercosul continua a ser um "bloco em formação", com sócios "muitos pobres" e "probleminhas" exagerados e tratados pela imprensa como se fossem uma "guerra".

"O Mercosul vai agora da Terra do Fogo (Argentina) ao Caribe (Venezuela) e confirma sua vocação natural para acolher novos parceiros da região e construir associações mais ambiciosas", afirmou no primeiro discurso. "Com compreensão, quero convencer o Evo Morales (presidente da Bolívia) e outros países a virem ao Mercosul, para ter todo mundo falando em Mercosul do México à Patagônia, e trazendo Cuba também. Essa oportunidade não depende de nossos inimigos, mas de estarmos juntos, de construirmos juntos. Não há nenhuma saída individual para os países da América", disse em seu segundo discurso na reunião.

Embora tenha declarado insistentemente nos últimos dois dias que as decisões relacionadas ao Mercosul são baseadas em "políticas de Estado" e não nas "posições ideológicas internas" de cada país, Lula fez questão de confrontar a integração regional ao projeto de Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no qual os Estados Unidos eram o protagonista.

O presidente enfatizou que os acertos concluídos nesta reunião do Mercosul - basicamente, os acordos de livre comércio com Cuba e Paquistão - derrotaram os que "escrevem cotidianamente contra (o bloco) e aqueles que crêem que devemos ter só relações com os Estados Unidos". "Simplesmente, não falamos mais de Alca, e a tensão desapareceu. Agora, para falar da Alca, precisa antes falar do Mercosul", afirmou. "Deixamos de ser colônias e não desejamos voltar a ser colonizados."

Em comparação com as reuniões anteriores, em que há poucos avanços, a reunião de cúpula de Córdoba foi totalmente atípica. O encontro foi marcado pelo ingresso pleno do quinto membro do Mercosul, pela celebração de acordos de livre comércio com Cuba e Paquistão e pela presença inédita do presidente cubano, Fidel Castro. No evento, Lula assumiu a presidência temporária do bloco, por um período de seis meses, numa situação igualmente inusitada. Até o fim de outubro, terá de conciliar suas responsabilidades como presidente do Brasil e do Mercosul às de candidato à reeleição.

NOVO PACTO Lula propôs um "novo pacto" para o Mercosul, capaz de torná-lo "mais forte, mais presente, mais atuante, mais sintonizado às necessidades de nossos povos" e capaz de "responder às expectativas de todos os parceiros". Comprometeu-se a acelerar a aprovação do Fundo de Convergência Estrutural (Focem), cujo objetivo seria disponibilizar recursos ao Uruguai e ao Paraguai para o desenvolvimento econômico e social.

Da mesma forma, afirmou que pretende impor mais pressa na eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) sobre produtos importados que cruzem mais de uma fronteira no Mercosul e dar impulso à integração energética.

"O Mercosul tem diante de si o desafio de reinventar-se e atender às expectativas de todos os seus membros", afirmou. "Tenho uma nota de otimismo em relação ao futuro de nosso agrupamento. Um otimismo temperado com apreensão e cuidado, é verdade, mas que em nenhum momento me faz duvidar de nossa capacidade coletiva de encontrar soluções para os grandes desafios do desenvolvimento econômico e social de nossa região", ressaltou.

Na visão do presidente, o Mercosul está definitivamente "mudando a geografia econômica mundial". Lula acentuou que, do bloco, surgiu o G-20, o grupo de economias em desenvolvimento que atua na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e "que impôs respeitabilidade aos países em desenvolvimento nas mesas de negociação". "Os países ricos dificilmente farão uma conversa sobre comércio sem levar em conta o Mercosul, a China e a África do Sul."

Lula, entretanto, conclamou seus colegas a fazerem os sacrifícios necessários em favor do bloco e a reagir com "paciência" às pressões dos vizinhos. Referiu-se indiretamente às disputas entre Argentina e Uruguai sobre os investimentos estrangeiros na instalação de fábricas de celulose na fronteira, às queixas uruguaias sobre travas ao comércio com o Brasil e às ameaças do Paraguai de abandonar o Mercosul no seu âmbito de união aduaneira. Lula insistiu com o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, que já cochilava nesse momento, que Brasil e Argentina teriam necessariamente de fazer mais concessões aos sócios menores.