Título: Falta de alianças faz petistas temerem por governabilidade
Autor: Fausto Macedo e Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2006, Nacional, p. A7

Não vai ser exatamente como Heloísa Helena tinha imaginado - pois as chuvas torrenciais dos últimos dias tornaram ainda mais caótica a trilha até Quilombo dos Palmares -, mas a festa da convenção do PSOL para referendar seu nome como candidata à Presidência vai acontecer do mesmo jeito, sob um toldo gigante (40 metros por 40) que os correligionários da senadora montaram ao pé da Serra da Barriga, em União dos Palmares (AL).

Inspirada na história do negro Zumbi, que há 300 anos comandou batalha pela liberdade e até a morte resistiu contra a opressão branca, Heloísa sugeriu Palmares como local da convenção a fim de resgatar a história do guerreiro e por saber que sua missão é também difícil.

"Reconheço que a tarefa é muito complicada", desabafou a senadora, ontem, às 18h10, ainda em Brasília, referindo-se à campanha rumo ao Palácio do Planalto, para a qual dispõe de um caixa minguado, em torno de R$ 5 mil. "É como nascer um Davi por dia nos nossos corações para enfrentar tantos gigantes do dinheiro fácil e do dinheiro público roubado."

Seus inimigos, ela diz, "são duas gigantescas estruturas de poder, o PT e o PSDB". Mas, como Zumbi, essa alagoana de Pão de Açúcar, de 44 anos, que foi enfermeira e professora, não se dobra ao desafio. "Somos todos sobreviventes e vamos iniciar essa batalha prestando uma homenagem a todas as mulheres e homens que conseguem lutar para tornar realidade os sonhos, uma homenagem a todos que se entregam às causas mais nobres."

Os 101 convencionais da legenda que ela fundou em 2004 começaram a chegar ontem a União dos Palmares, para onde Heloísa vai se deslocar na manhã de hoje, provavelmente integrando uma caravana de 15 ônibus que partirá de Maceió, distante 80 quilômetros. Os sete deputados federais que formam a infantaria do PSOL - entre eles Babá (RJ) e Luciana Genro (RS), que, como ela, foram expulsos do PT - vão à cerimônia.

Antes de seu pronunciamento, grupos afros recepcionarão a senadora e lembrarão a história de Zumbi. Ela não esmoreceu nem quando foi informada da impossibilidade de chegar ao ponto da serra que abrigou o coração do maior quilombo de escravos rebeldes do Brasil, no século 17. "Toda a área próxima à Serra da Barriga era parte da estrutura de Zumbi. No alto ficava a trincheira de onde ele via os movimentos da repressão."

Sobre o embate que surge à sua frente, a senadora reiterou o que disse ao criar o PSOL: "Vamos nos afirmar como o partido capaz de realizar o que inspirou a vitória traída de 2002."

O secretário-geral do PT, Raul Pont, admitiu ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguirá obter maioria no Congresso, caso seja reeleito, e que não há como garantir a governabilidade no eventual segundo mandato - conseqüências da crise das alianças formais em torno de Lula.

O assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, culpou o sistema eleitoral e a regra da verticalização pela dificuldade de alianças. "Não vejo nenhuma ironia nessa situação. Isto é a expressão do sistema político que pretendemos reformar", disse Garcia, referindo-se à solidão do PT ao oficializar a candidatura Lula hoje, sem um único aliado formal reforçando a chapa. "Teremos de novo a pulverização dos votos", insistiu Pont, queixando-se da "situação de esquizofrenia" provocada pelo sistema eleitoral. Na opinião dele, nenhum partido tem governabilidade garantida com o atual sistema eleitoral.

Pont defende abertamente a tese de que é melhor governar sozinho do que repetir o erro das alianças fechadas em 2003 com partidos que tinham pouca afinidade com o PT. Citou o PTB e o PP como responsáveis pela "crise ética" que o PT vive - "sem tirar a responsabilidade dos nossos dirigentes". Confirmada a vitória de Lula nesse cenário de "esquizofrenia", o dirigente petista aconselha o presidente a abrir seu segundo mandato colocando "de forma desnudada" essa contradição.

Para o secretário-geral petista, a aliança principal do partido é com a opinião pública. "Buscamos a sustentação do governo na democracia direta, na participação popular. Aí também se pode ter sustentabilidade, não é só via Congresso", disse Pont, com base na experiência que viveu no Rio Grande do Sul, de governar com uma bancada pequena de situação.

Embora a tese do "antes só do que mal acompanhado" tenha sido repetida ontem por vários dirigentes, os deputados Walter Pinheiro e Fernando Ferro lamentam a falta de uma coligação formal em torno de Lula e, mais ainda, o fato de o PT não ter avançado nas alianças estaduais. "Se não houver uma coalizão, o governo ficará refém de um bloco de apoio, o que será muito ruim para todo mundo", adverte Pinheiro, em raciocínio idêntico ao de Ferro.

A despeito do alerta, o presidente nacional do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), não demonstra preocupação com governabilidade nem empenho em apressar as alianças. "Governabilidade se dá em acordos programáticos, ainda no processo eleitoral ou depois da definição do Parlamento", disse Berzoini, referindo-se às eleições. O presidente petista revelou descrença quanto à possibilidade de uma aliança formal com o PSB e pouca confiança na conquista de um outro aliado tradicional do PT - o PC do B. Certo, para ele, só o PRB.