Título: Capital estrangeiro na Varig
Autor: Alberto Komatsu
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2006, Economia & Negócios, p. B1

A crise da Varig trouxe de volta o debate sobre a exigência de controle nacional do capital votante de uma companhia aérea.

O artigo 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica determina que a concessão (ou autorização para o desempenho de serviços aéreos públicos) seja exercida por empresa com sede no Brasil e com pelo menos quatro quintos (80%) do capital votante pertencente a brasileiros.

No entanto, pelo menos três grupos de interesse vêm questionando a exigência. O primeiro deles é constituído majoritariamente por grupos sindicais brasileiros. Os líderes da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac) têm argumentado que a prioridade é manter os empregos e evitar a falência. Por isso, nada deveria limitar a transferência da empresa para outro grupo, mesmo estrangeiro. Ontem, a Fentac apoiou a venda da Varig para a Volo, empresa cujos controladores não são conhecidos, que, no ano passado, adquiriu o controle da VarigLog, subsidiária da Varig na área de cargas.

Outro grupo menos especificado de simpatizantes da Varig entende que a restrição dos 20% vem dificultando solução de mercado, na medida em que alija os capitais estrangeiros. Além disso, facilitaria o jogo das concorrentes nacionais, que, sem a pressão dos estrangeiros, também ficam de fora, à espera da redistribuição das concessões e, nessas condições, ajudam a afundar a Varig.

O terceiro grupo são, em princípio, os interessados estrangeiros no espólio da Varig e na abertura do mercado brasileiro, que adorariam ver revogado esse dispositivo do Código.

Toda análise do tema não pode fugir das razões que levaram o Congresso a decidir-se pela exigência dos quatro quintos.

Um serviço público de transportes aéreos é considerado reserva militar e, como tal, extensão da própria Aeronáutica. Nessas condições, não pode ser repassado a estrangeiros, a não ser em condições especiais.

Além disso, o legislador não pode correr o risco de que a execução de serviços de transportes aéreos seja interrompida por eventual decisão empresarial tomada por controlador estrangeiro.

A exigência não é reserva de mercado, nem idiossincrasia de país colonizado nem manifestação ideológica nacionalista imposta pelo governo militar. Os países que podem ter suas próprias companhias aéreas também impuseram restrições assim. Nos Estados Unidos, os serviços aéreos têm de ser executados por empresa que tenha pelo menos 75% do capital votante em mãos de cidadãos americanos.

Há quem contra-argumente que o artigo 181 vem sendo burlado. Pelo menos o caso da Absa (capital chileno), que atua na área de transportes de carga, vem sendo apontado como fato consumado que comprovaria a obsolescência do Código.

A revogação do artigo 181 até pode ser uma boa causa. Mas quem hoje quer sua revogação ou, simplesmente, sua desconsideração, não trabalha para adequar a aviação civil às novas condições do mercado globalizado, num contexto em que a soberania dos Estados nacionais está sob questão. Quer apenas fazer casuísmo em matéria de segurança nacional para salvar a Varig a qualquer preço.