Título: Brasil tenta segurar o Uruguai
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2006, Economia & Negócios, p. B15

O chanceler Celso Amorim tentou ontem recuperar o interesse dos uruguaios pelo Mercosul e seduzir o governo do presidente Tabaré Vázquez para evitar que ele continue flertando com a possibilidade de acordo de livre comércio com os Estados Unidos, por fora do bloco regional. "O Mercosul, no início era mais popular. Ele tem de voltar a ser atraente para as economias menores", afirmou Amorim ao descer a pequena escadaria da Residência Suárez, o palacete que Tabaré usa como escritório presidencial. A visita foi em um momento estratégico, pois nos próximos dias o Uruguai começará discussões com os EUA para avaliar formas de intensificar os laços comerciais.

Acompanhado de uma substancial comitiva que incluía representantes da Petrobrás, do BNDES, de vários ministérios e de empresas, Amorim indicou que havia viajado a Montevidéu para "pedir um crédito de confiança" ao governo Tabaré.

Amorim, em sua ofensiva de sedução, apelou para a possibilidade de aumentar as compras governamentais brasileiras de produtos uruguaios, além de estimular investimentos em infra-estrutura no país.

Em poucos dias, começaram as reuniões de técnicos dos governos do Uruguai e dos EUA para coordenar as equipes que discutirão as formas de ampliar o intercâmbio comercial entre os dois países.

Essa primeira fase será iniciada em Washington segunda-feira. As discussões entrarão em uma segunda etapa, mais avançada, em outubro, quando se reunirá a Comissão Conjunta de Comércio e Investimentos.

Grande parte da classe política e do empresariado uruguaio está irritada com os desequilíbrios comerciais existentes no Mercosul, que prejudicam os sócios pequenos (Uruguai e Paraguai) do bloco.

O sentimento existente é que o Mercosul, que em seus primeiros anos parecia uma promessa dourada de expansão comercial, transformou-se em um "espartilho" que asfixia as chances de desenvolvimento do Uruguai. Muitos setores consideram que um eventual acordo com os EUA permitiria maior "oxigenação" da economia uruguaia.

Além disso, os uruguaios reclamam das circunstanciais barreiras comerciais que o Brasil impõe a alguns produtos.

Também há um profundo mal-estar com o outro sócio, a Argentina, por causa da Guerra da Celulose, que confronta os dois países desde agosto.

No entanto, Amorim deixou claro que o Uruguai não poderá realizar um acordo de livre comércio com um país de fora do Mercosul. "Há limitações técnicas para isso. Apoiaremos qualquer decisão que o Uruguai tomar." Ele ressaltou que o país não poderá estar nas duas opções (EUA e o Mercosul) "ao mesmo tempo".

Amorim saiu reunião com Tabaré de bom humor. Após o encontro com o chanceler Reinaldo Gargano, único defensor enfático do Mercosul no governo uruguaio, Amorim continuou sorridente.

Mas, a reunião com o Ministro da Economia, Danilo Astori, maior crítico do Mercosul no governo e enfático defensor de um acordo com os EUA, mudou o ânimo do chanceler brasileiro, que saiu do encontro visivelmente contrariado.

GUERRA DA CELULOSE A região da fronteira da Argentina com o Uruguai promete ser hoje o cenário do maior panelaço de sua História, em protesto contra a instalação de duas fábricas de celulose (a finlandesa Botnia e a espanhola Ence) no município uruguaio de Fray Bentos, às margens do Rio Uruguai, que separa os dois países. Às 13 horas, os habitantes da cidade argentina de Gualeguaychú prometem bater panelas, tocar as buzinas de seus carros e até dobrar os sinos das igrejas para exigir a suspensão das obras das fábricas. Os manifestantes esperam conseguir a adesão de toda a região da fronteira.

Os argentinos opõem-se às fábricas, afirmando que elas causarão graves danos ambientais.