Título: García baixa o tom com a Venezuela
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2006, Internacional, p. A15

Na primeira entrevista coletiva desde seu triunfo na eleição de domingo, o presidente eleito do Peru, Alan García, reiterou sua intenção de estreitar os laços com Brasil e Chile e manifestou interesse em normalizar as relações com a Venezuela, estremecidas durante a campanha eleitoral por causa do apoio do presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao candidato nacionalista Ollanta Humala. "Não nos interessa criar um anti-Chávez continental, não tenho a intenção de levantar bandeiras continentais", afirmou. Ele disse acreditar que, "passados o debate eleitoral e os adjetivos lançados", possam existir relações de "respeito mútuo" com a Venezuela.

García confirmou ter recebido um convite de Luiz Inácio Lula da Silva para visitá-lo em Brasília e fez elogios ao presidente brasileiro: "Tenho grande carinho por Lula. Eu o conheço há muitos anos e sou um admirador de sua capacidade e de seu empenho em reduzir a pobreza em nossa região." García afirmou que "ser vizinho de um país como o Brasil já é um fator de riqueza por si", acrescentando que o Peru deve se aproveitar dessa proximidade assim como o México tira proveito da vizinhança com os EUA.

"Gostaríamos muito de estabelecer um tratado de livre comércio com o Brasil", complementou. O Peru é membro associado do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), que veda acordos comerciais bilaterais entre seus sócios. "Podemos trabalhar com Brasil e Chile para coordenar ações que favoreçam o crescimento da massa produtiva da América do Sul, que, unida, produz mais que a China", disse ele. "Precisamos integrar cada vez mais os países de nossa região, construindo ligações físicas, como os corredores interoceânicos que levarão produtos brasileiros aos portos peruanos do Pacífico."

Indagado sobre a possibilidade de seu desastroso primeiro mandato (1985-1990) se repetir, ele afirmou que o momento da economia internacional é outro. "Se há consenso de que meu governo foi um desastre, há consenso também de que os governos de (José) Sarney, no Brasil, e (Miguel) de la Madrid, no México, também foram. Na época, a pressão exercida pela dívida externa alimentava a inflação e arruinava as economias externas."

Ao responder uma pergunta da correspondente em Caracas da rede árabe Al-Jazira, sobre se manteve contato com a embaixada americana durante sua campanha, García foi irônico. "Alá u-akhbar (expressão árabe que significa 'Deus é grande'). Lembre-se de que você está falando com Alan García, que desafiou o presidente Ronald Reagan e suspendeu o pagamento da dívida externa. Que içou a bandeira do Panamá no Palácio de Pizarro (sede do governo peruano) para protestar contra a invasão americana. Que foi amigo de (Yasser) Arafat", disse.

"Não recebi nenhuma chamada de George W. Bush nem da embaixada", prosseguiu. "E tenho quase certeza de que, se tivesse recebido, teria perdido a eleição", acrescentou. "Condenamos, sim, a ingerência de Chávez no Peru e a sua aspiração de dar as cartas em todos os países da região. Mas quando o fazemos não estamos agindo em nome de ninguém, muito menos de Washington."