Título: Governo achou que jovens iam se entediar com discussão da lei
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2006, Internacional, p. A14

Prestes a completar três meses de existência, o governo da presidente chilena Michelle Bachelet encontra-se mergulhado em uma crise inesperada na área da educação, que transformou a capital do país, Santiago, no maior campo de protestos de estudantes desde 1972. Ao contrário das manifestações das últimas décadas, realizadas por universitários militantes de partidos políticos de esquerda, os protestos dos últimos dias foram protagonizados por estudantes secundaristas em plena adolescência que simpatizam com as mais heterogêneas posições políticas.

Denominados "pingüins" - por causa do uniforme azul com camisa branca e gravata escura que os assemelha a esse animal - os estudantes de 13 a 17 anos exigem uma melhoria substancial na qualidade do ensino público (que reúne 50% dos estudantes do país). Eles se opõem ao sistema que a democracia herdou da ditadura do general Augusto Pinochet, na qual os municípios encarregam-se de financiar a educação, o que gera grandes desigualdades. Além disso, pedem uma utilização ampla do passe escolar de transporte, atualmente sujeito a um uso restrito para os alunos mais pobres. Eles também querem uma modificação do vestibular, que só possibilita que 10% do total de alunos ingressantes nas universidades provenham do sistema público.

O movimento começou a surgir silenciosamente no ano passado, quando iniciaram as primeiras discussões entre autoridades da área de educação e lideranças estudantis sobre a eventual reforma do ensino. Na ocasião, as autoridades consideraram que as intermináveis sessões levariam os estudantes a desistir de suas reivindicações. No entanto, tiveram um efeito diverso, já que os representantes dos estudantes começaram a discutir as propostas em assembléias, despertando o interesse de grandes massas de alunos das escolas públicas.

Há três semanas começaram os protestos. A repressão policial indignou os estudantes, que intensificaram as marchas. Semana passada, 800 mil estudantes entraram em greve. Bachelet anunciou medidas que contemplam as exigências parcialmente. Insatisfeitos, os alunos mantém os protestos.

O movimento surpreendeu pela elevada articulação. A principal porta-voz, María Jesús Sanhueza, uma adolescente de 16 anos, que costuma vestir-se com macacões e camisetas estampadas, é uma ex-campeã de xadrez e ex-animadora de torcida que comanda diretamente 30 mil estudantes.

Os protestos estudantis, que antigamente causavam repúdio da maior parte da sociedade, agora contam com uma imagem positiva de mais de 60%.

Analistas sustentam que o governo, pego de surpresa, sofreu seu primeiro golpe na imagem. Esse abalo ressalta-se mais ainda pela idade das lideranças, em média de 16 anos (nascidas logo após as eleições de 1989, a volta da democracia ao Chile).

O movimento caracteriza-se pela "transversalidade" ideológica e pelo uso das novas tecnologias, como a internet e os celulares, que deram uma "rasteira" no governo e na polícia, despreparados para a rápida capacidade de mobilização dos adolescentes, que tomavam velozmente decisões coletivas. Pela primeira vez, a polícia - que filma os manifestantes para identificá-los - percebeu que agora seus integrantes eram filmados pelos estudantes.

A presidente mostrou fraqueza. "É provável que Bachelet retenha alta popularidade. Mas mostrou que está despreparada para enfrentar crises. Isto pode precipitar mudanças de gabinete", disse ao Estado o analista político Ricardo Israel, da Universidade Autônoma do Chile. "No Brasil, uma crise assim pode ser diferente. Mas, no Chile, altamente centralizado e ordeiro, o governo não pode não funcionar bem. A presidente só reagiu quando o protesto sacudia todo o país."

O economista Harald Beyer, do Centro de Estudos Públicos, disse ao Estado que Bachelet errou ao subestimar a capacidade de mobilização dos estudantes "e de ter demorado em oferecer uma agenda para discutir o assunto com eles. Mostrou uma fraqueza que poderá entusiasmar outros setores da sociedade a realizar suas demandas, mais ainda agora, que o governo conta com um tentador superávit fiscal, de US$ 9 bilhões".