Título: Irã é receptivo a pacote de benefícios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2006, Internacional, p. A13

O governo iraniano reagiu cautelosamente ontem aos benefícios oferecidos por seis potências mundiais com a finalidade de dissuadi-lo de prosseguir com seu programa de enriquecimento de urânio. "As propostas contêm passos positivos e também algumas ambigüidades que terão de ser removidas", comentou o negociador-chefe da questão nuclear iraniana, Ali Larijani, ao receber em Teerã o documento do chanceler da União Européia, Javier Solana. O representante europeu definiu o diálogo como "muito útil e construtivo". Já o chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, disse que seu país estudará seriamente os incentivos.

A Casa Branca recebeu bem os comentários de Larijani e Mottaki. "Para mim, parece um passo positivo. Vamos ver se os iranianos levam nossa oferta a sério", reagiu o presidente George W. Bush.

O conjunto de benefícios foi acertado na semana passada entre EUA, China, Rússia, Grã-Bretanha e França (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU) e a Alemanha. Essas potências suspeitam que o Irã tenha um programa secreto para usar o urânio enriquecido na fabricação de armas atômicas. Oficialmente, os líderes iranianos garantem que só vão enriquecer o urânio num nível baixo, suficiente para uso em usinas de produção de energia elétrica.

O conteúdo do pacote de incentivos não foi divulgado oficialmente e as informações que haviam vazado até segunda-feira indicavam apenas a oferta, pelos europeus, de um reator de água leve (mais difícil de ser usado para a produção de armas atômicas) e de cooperação tecnológica e econômica.

Ontem, diplomatas ocidentais informaram extra-oficialmente que o pacote inclui também concessões dos EUA. Isso seria um grande passo no degelo das relações entre os dois países - rompidas após a Revolução Islâmica de 1979 - e também uma guinada na política antiterror de Bush, que em 2002 classificou o Irã de membro do "eixo do mal", ao lado da Coréia do Norte e do Iraque de Saddam Hussein.

Os EUA teriam concordado que o Irã receba tecnologia russa e européia para o programa nuclear civil, disseram diplomatas ocidentais. Os americanos alterariam sua legislação para permitir isso, dariam apoio para que o Irã recupere sua envelhecida frota de aviões e também apoiariam sua entrada na Organização Mundial do Comércio (ver quadro). Ainda segundo os diplomatas, citados pela Reuters, o Irã, embora não pudesse enriquecer urânio, seria autorizado a "convertê-lo" (um passo anterior ao enriquecimento) para usá-lo na geração de energia.

Por causa do embargo econômico imposto pelos americanos ao Irã, nos últimos 26 anos o país não pôde adquirir peças de reposição de aviões diretamente do fabricante, a Boeing. O Irã culpou esse banimento por vários acidentes aéreos com grande número de vítimas nos últimos anos.

Na semana passada, o governo americano rompeu a política oficial de não manter contatos diplomáticos de alto nível com o Irã, ao anunciar que aceita negociar diretamente com esse país. Mas impôs uma condição: primeiro Teerã tem de suspender o enriquecimento de urânio. O Irã aceitou o diálogo, mas sem precondições.

Diplomatas a par da viagem de Solana também disseram que ele levou aos iranianos uma mensagem sobre punições possíveis para o caso de insistirem em enriquecer urânio, mas sem fazer ameaças, para não prejudicar o diálogo.

A resposta cautelosa dos iranianos ontem contrasta fortemente com declarações recentes do líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei - que domingo ameaçou usar o petróleo como arma contra os EUA - e do presidente Mahmud Ahmadinejad. O presidente tem repetido que o Irã não abandonará o enriquecimento de urânio e chegou a dizer que a idéia dos incentivos seria o mesmo que enganar uma criança lhe oferecendo doces em troca de ouro.

A Agência Internacional de Energia Atômica divulgará hoje um balanço sobre as atividades iranianas de enriquecimento de urânio.