Título: Consumo mostra força
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

De tanto cachimbar pessimismo, tem muito empresário que não consegue evitar o entortamento da boca. E, de tanto repetir que tudo vai mal, acaba convencido do que diz.

Por isso, não é capaz de enxergar mudanças no setor produtivo, especialmente quando são para melhor. O IBGE mostrou há uma semana que o ritmo da produção é outro e que o avanço do PIB vai, neste ano, para mais de 4%. A Confederação Nacional da Indústria, mesmo permanentemente atrasada com seus números e normalmente desinformada sobre o que acontece com os estoques industriais, confirmou segunda-feira que há uma inequívoca retomada da produção industrial. Pena que está parada em abril - e não em junho.

Ontem, a Anfavea, entidade que cuida dos interesses do ramo de veículos, mostrou crescimento exuberante do setor, na contramão do que têm apontado dirigentes da Fiesp e do Iedi.

Nos cinco primeiros meses deste ano, as vendas de veículos no mercado interno cresceram 8,7% sobre igual período de 2005. Enquanto isso, a produção ultrapassou a marca de 1 milhão de unidades e cresce ao ritmo de 6,1% sobre igual período de 2005 (veja o gráfico).

Há dois anos, o setor vinha lamentando ociosidades superiores a 40%. Agora, se vê em outra condição: se os investimentos não forem retomados, dentro de mais três anos poderá não dar conta da demanda.

Apesar do câmbio desfavorável, dos juros na lua, da insuportável carga tributária; apesar, enfim, do alto custo Brasil - os dirigentes do setor de veículos não repetem o discurso prostrante da Fiesp, do Iedi, da CUT e da esquerda do PT, de que está tudo errado na política econômica e de que se aprofunda no País a desindustrialização e o sucatamento do setor produtivo.

Seria bom que esses dirigentes fossem até a Rua 25 de março, à Rua José Paulino ou mesmo à Rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, para ver a quantas está a onda de consumo do povão.

E não é só no segmento de consumo popular que a indústria está virando o jogo, como mostram os números da Anfavea e do setor de aparelhos domésticos. Isso talvez ajude os empresários a calibrar melhor suas avaliações com o que de fato ocorre na economia real.

Não dá para sustentar que essa boa fase da indústria seja apenas resultado da turbinada de 16,7% no salário mínimo e da distribuição de cestas básicas para 11 milhões de famílias.

A economia está em aceleração, num ambiente de inflação em queda, retração moderada dos juros, dívida pública sob certo controle e, ainda, superávit em conta corrente da ordem de 1,2% do PIB. Para os padrões brasileiros, é um quadro alentador.

Está certo que a renda do agronegócio vai sendo duramente castigada pela valorização do real, drama que também derruba exportações de setores tradicionais, como móveis, calçados e têxteis. Mas não dá para negar o dinamismo que provém do consumo que, por sua vez, é resultado da queda da inflação e dos acertos na condução da política macroeconômica.

Outro contraponto a esse quadro favorável vem de fora. São as turbulências que há mais de um mês sacodem o mercado financeiro internacional e podem ser prenúncio de certa retração da produção mundial.

Contra isso, não há muito o que fazer senão aprofundar o ajuste fiscal e prosseguir nas recompras de títulos da dívida brasileira pelo Tesouro.

Enquanto os países asiáticos, especialmente a China, continuarem interessados em financiar o rombo externo (déficit em conta corrente) dos Estados Unidos, é improvável que ocorra a temida aterrissagem forçada da economia mundial.