Título: Putin reage a EUA e reforça defesa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2006, Internacional, p. A14

Em seu discurso anual sobre o estado da nação e seus planos de governo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou ontem investimentos para o fortalecimento das Forças Armadas e incentivos para o aumento da população (ler ao lado), que caiu 4% desde 1991.

Embora o foco tenham sido os temas domésticos, Putin aproveitou o discurso para dar o troco ao vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, que na semana passada fez as críticas mais ácidas de uma autoridade americana à Rússia desde que George W. Bush chegou à Casa Branca. Cheney acusou o governo russo de não respeitar a população e de usar as riquezas do país como instrumento de intimidação (ler ao lado).

Sem mencionar o nome do vice-presidente americano, ontem Putin deu uma resposta velada. "Onde está toda essa retórica sobre a proteção dos direitos humanos e a democracia, quando se trata dos próprios interesses? Aqui, parece que tudo é permitido. Lá não há nenhuma restrição", disse Putin sorrindo de modo sarcástico, em alusão às contradições da política externa americana.

Putin também fez referência a uma fábula popular sobre a necessidade de construir uma casa fortificada para proteger-se do lobo voraz. "Somos conscientes do que acontece no mundo. O camarada lobo sabe a quem comer, come sem escutar e é evidente que não escutará ninguém."

Putin disse então que a Rússia precisa de Forças Armadas fortes não só para precaver-se contra o terrorismo e ataques, mas também para resistir a pressões. Nesse ponto, observou que o orçamento militar russo é 25 vezes menor do que o dos EUA e anunciou que seu governo vai fortalecer a capacidade nuclear militar, bem como as forças convencionais. Isso tudo sem repetir os erros da guerra fria, quando a corrida armamentista drenou os recursos da então União Soviética.

Para o analista político russo Alexei Makarkin, consultado pela rádio Ekho Moskvy, de Moscou, a história do lobo era clara "referência aos EUA, suas ações no Iraque e planos para o Irã, seu jogo no território da CEI (Comunidade de Estados Independentes) e suas críticas à Rússia". A CEI reúne a maioria das ex-repúblicas soviéticas, no Leste Europeu e na Ásia Central, regiões que eram tradicionais áreas de influência russa, mas hoje estão estreitando os laços com os EUA.

Nos meandros do discurso houve também outras duas observações que seriam estocadas nos EUA. "Métodos de força raramente dão o resultado desejado e freqüentemente suas conseqüências são ainda mais terríveis do que a ameaça original", disse Putin aparentemente em referência à invasão do Iraque e às ameaças americanas ao Irã (com as quais a Rússia não concorda). Sobre as negociações da Rússia para entrar na Organização Mundial de Comércio (OMC), Putin disparou: "As negociações para permitir a entrada da Rússia não deveriam tornar-se uma peça de barganha".

Em abril, senadores americanos em visita a Moscou comentaram que o respeito à democracia e a posição da Rússia na crise iraniana iriam influenciar o Congresso dos Estados Unidos no debate sobre a entrada russa na OMC.