Título: Foi o clima, e não o homem, que acabou com os mamutes
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2006, Vida&, p. A19

A culpa não foi do homem. Essa é a hipótese defendida pelo pesquisador Dale Guthrie, da Universidade do Alasca (EUA), para explicar um evento de extinção que aconteceu há mais de 10 mil anos, quando o mamute sumiu da face da Terra.

Guthrie volta a defender, na edição de hoje da revista Nature (www.nature.com), que não foi a caça excessiva feita pelo homem pré-histórico que extinguiu o mamute (Mammuthus primigenius) e o cavalo selvagem (Equus ferus), e sim mudanças climáticas que provocaram alterações no ambiente e no estoque de comida para os bichos.

O novo estudo se baseia na datação por radiocarbono de 600 fósseis de grandes animais, a chamada megafauna, que viveram na época, comparada a dados arqueológicos. Ele mostra que, quando o homem atravessou o Estreito de Bering atrás de caça, há 11,5 mil anos, as populações de mamute e de cavalo se mostravam fracas.

TRANSIÇÃO

Na época, a Terra saía da Era do Gelo, que marcou o fim do período Pleistoceno e o começo do Holoceno (que se estende até hoje). Era um época de transição em todo o mundo: há 13 mil anos, o norte da América do Norte era tomado por uma estepe fria e árida, muito diferente da tundra e da floresta boreal vistas atualmente.

O cenário pode parecer desolador para um humano moderno, mas era o céu para os grandes mamíferos que viviam por ali, que atingiram seu ápice.

O inferno para a megafauna, sugere Guthrie, era a paisagem seguinte, que seguiu um clima mais úmido e quente. A vegetação mudou, o que teria diminuído naturalmente o número de mamutes.

O povo de Clovis, que pode ser o primeiro fluxo migratório de humanos a tomar o continente, era especializado na caça de grandes animais e saiu da Ásia atrás dos bichos gigantes. Para Guthrie, quando o homem chegou à América havia poucos mamutes disponíveis - que acabaram então morrendo na lança.

"Apesar de haver muito mais biomassa verde na tundra e na taiga (floresta boreal) modernas, a maioria dessas plantas não é comestível para grandes mamíferos de pasto", diz.

Guthrie estudou não apenas fósseis dos animais extintos mas também daqueles que sobreviveram à mudança, como o bisão, o veado e o alce - que foram tão caçados quanto os maiores. A diferença, diz ele, é que esses animais se adaptaram à nova realidade.

"Esses dados novos mostram que os humanos podem ter contribuído para a extinção do mamute e do cavalo, mas essas duas espécies estavam aparentemente muito menos adaptadas às condições ecológicas novas", diz o autor.

CONTROVÉRSIAS

A mudança climática é uma das teorias para explicar a extinção da megafauna na América do Norte. O tema gera debates calorosos entre arqueólogos, paleontólogos, antropólogos e geólogos por décadas, que tentam determinar qual foi, afinal, a responsabilidade humana.

A hipótese da caça em larga escala foi proposta pelo geólogo Paul S. Martin, da Universidade do Arizona, na década de 60. Ele chamou de "Blitzkrieg", ou guerra-relâmpago, em alemão, a matança feita pelo homem pré-histórico, que teria dado cabo dos mamutes em mil anos.

Ele acha que Guthrie erra ao comparar a nova datação dos fósseis com um evento de mudança climática drástica.

"Me parece que as novas datas são mil anos mais antigas do que as últimas datas obtidas de (fósseis) de mamutes, preguiças-gigantes e outros representantes da megafauna extintos na América, do Arizona ao Chile", afirma Martin. Ele também lembra que há datações de fósseis, mais análise de pólen e de colunas de gelo, que mostram a mudança sofrida pela Terra na época como um processo, "não um acidente climático único e letal".

"Este é o padrão e a cronologia que liga a chegada humana a extinções de animais à medida que o homem se espalha pelo globo, e que aponta para uma solução antropogênica, não paleoclimática. Mais de um século atrás Alfred Lord Wallace chegou à mesma conclusão."