Título: Indústria teme perda de competitividade
Autor: Teresa Navarro
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Depois de investir milhões de dólares na conversão de suas fábricas para o gás natural, o setor industrial se vê num beco sem saída. A possível alta de preços deve elevar o custo dos produtos e reduzir a competitividade das empresas que apostaram no combustível para expandir suas operações no mercado interno e externo, como é o caso do setor de cerâmica e de vidros. Adotar outro tipo de insumo, como óleo combustível, significaria um retrocesso e exigiria outros milhões de dólares para converter o sistema.

No setor de vidro, cuja participação do gás é de 95%, a substituição do combustível está praticamente afastada, já que a mudança também causa redução na vida útil dos motores. Segundo o superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, o aumento requerido pela Bolívia é inviável para as empresas, já que o gás foi reajustado em 19% em janeiro. "Se houver esse aumento no preço do combustível é porque foi muito mal negociado."

Algumas empresas ainda trabalham com a expectativa de que o aumento do gás natural boliviano não chegue ao consumo final, pelo menos nos próximos 90 dias. A esperança é que a alta seja diluída entre as diversas cadeias de distribuição, desde a Bolívia até a indústria, afirma o presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Romero de Oliveira.

No fundo, os empresários estão se apoiando na declaração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de que o aumento não será repassado para o consumidor. Isso significaria que a Petrobrás teria de arcar com o aumento, fato bastante criticado por analistas, já que se trata de uma empresa de capital aberto.

Na setor de cerâmica, o diretor da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer), Antônio Carlos Kieling, afirmou que as companhias não têm condição de absorver o aumento pedido pela Bolívia. Hoje o insumo energético representa 30% do custo de produção, "o que significa que qualquer variação pode ser fatal para a competitividade da indústria".

Segundo ele, no entanto, a expectativa é que num primeiro momento a Petrobrás absorva o aumento. Ele afirma que, hoje, quase 100% do setor usa o gás natural na produção, que emprega diretamente 25 mil pessoas.

"Fomos um dos primeiros a converter nossos sistemas para o uso do gás e fomos incentivados pelo governo para fazer isso. Agora estamos nessa situação e não temos condições para mudar o tipo de combustível usado."

O presidente da Gyotoku, Adriano Lima, também trabalha com a possibilidade de os preços serem mantidos por enquanto. Mas, se o aumento vier, ele afirma que não há outra alternativa a não ser repassar para o produto final.

Na avaliação do diretor Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas, o aumento do gás atingirá, sim, o consumidor final. "As empresas não podem reter o aumento do preço. A não ser que a Petrobrás resolva fazer um subsídio cruzado com o gás e outro combustível."