Título: Rédeas frouxas
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2006, Nacional, p. A8

A promessa do presidente do Tribunal Superior Eleitoral de conduzir a campanha eleitoral com rédeas curtas não resistiu à primeira pressão orquestrada pelo altíssimo clero do Parlamento.

O aviso do ministro Marco Aurélio Mello de que não haveria por parte da Justiça Eleitoral "contemporizações a pretexto de eventuais lacunas na lei" se mostrou passível de flexibilizações, com a desistência de cumprir integralmente o preceito na uniformidade das alianças partidárias inerente ao caráter nacional dos partidos, claramente definido na Constituição.

O problema não residiu no ato de recuar, mas na motivação e no fato de ter sido resultado de uma pressão explícita contra uma decisão do tribunal que, contemporizações à parte, interpretava o exato espírito da lei a despeito de contrariar a dita "tradição" e os arranjos já feitos pelos partidos com vistas a disputar as eleições não referidos na defesa de projetos e doutrinas, mas na conveniência de cada um para alcançar o resultado mais conveniente.

Como disse o senador e candidato a vice-presidente da chapa de Geraldo Alckmin, José Jorge, louvando a revisão do TSE: "O ministro fez bem em reconhecer que a política dos partidos em Pernambuco não é a mesma da Bahia e assim por diante."

Ou seja, a "política" dos partidos não é a dos partidos tal como se entende agremiações formadas a partir de uma unidade programática e dispostas a disputar na sociedade a identificação de suas propostas. A "política" dos partidos, avalizou o tribunal, é aquela que atende aos acertos regionais mais propícios a lhes garantir o poder, seja no Parlamento federal ou nas instâncias executivas e legislativas regionais.

Em nome do respeito àquela "tradição" de as excelências fazerem o que querem não obstante a lei diga que deve ser feito diferente, o presidente do TSE cedeu aos argumentos de dois dos mais exemplares baluartes da política de compartilhamento de legendas.

José Sarney é do PMDB, tem uma filha no PFL, um filho no PV e controla mais um punhado de parlamentares espalhados em outros partidos. Antonio Carlos Magalhães é do PFL e comandante em chefe de uma bancada "carlista" que, diga-se, já foi maior e mais fiel. Em apoio aos dois, toda a caciquia partidária atuou para se preservar.

Não escaparam, porém, do vexame. Assustados por serem obrigados a cumprir as normas das quais já haviam tentado se desviar aprovando emenda constitucional acabando com a verticalização a partir de 2010, os partidos rasgaram suas fantasias em praça pública.

O PMDB correu a admitir a volta de uma candidatura própria, reconhecendo que o candidato seria um laranja e que a tese antes defendida tinha razões meramente oportunistas. O PSDB e o PFL depressa falaram em romper a aliança e deixar ao sol e ao sereno o candidato Alckmin.

Como o tal do mundo não se acabou, ficaram expostos na inteireza de sua pusilanimidade.

Esse o padrão ao qual cedeu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral sob o pretexto de não se "substituir" ao Congresso Nacional, quando apenas havia cumprido sua missão de dar à lei a interpretação mais rigorosa.

Ocorreu que essa visão colidiu com os interesses dos partidos. Note-se, não com os interesses dos eleitores, mas dos partidos que, hábeis, deram às questões domésticas de cada um o caráter de questão de Estado, alegando "insegurança jurídica" na eleição.

Ora, a segurança jurídica não está assegurada no texto da lei, mas na observância de seus preceitos, e estes foram feridos na base da pressão e da concessão. Como o ambiente em volta indica, realmente, esta eleição não promete.

Terreno minado

É verdade que o presidente Luiz Inácio da Silva abre espaço para ser tratado com desrespeito ao se comportar ele mesmo de maneira imprópria e não observar a formalidade do cargo.

Mas comportamentos inadequados não justificam outros de igual nível. O jogador Ronaldo foi mal educado, impertinente e, sobretudo, injusto na grosseira resposta que deu ao presidente. O presidente Lula não o chamou de "gordo", apenas se referiu a comentários amplamente divulgados nos noticiários esportivos dando conta do excesso de peso do jogador.

Saltam do episódio duas evidências: a falta de respeito grassa, e aí o exemplo vem de cima; fica patente também que políticos não devem se arriscar a pegar carona na euforia com o futebol.

Lula não teria dado ao ídolo a oportunidade da deselegância pública caso resistisse à tentação de "participar" do prestígio da seleção brasileira e evitasse marcar mais uma vez sua identificação com o eleitorado fazendo uso de assunto tão sensível.

O mesmo se diga a respeito do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, no tocante ao palpite infeliz de comparar ele e José Serra à dupla "Ronaldo e Ronaldinho". Uma tentativa desajeitada de entrar no "clima".

Saíram-se todos muito mal. Posto que a Copa do Mundo está só começando, fica a lição.