Título: Metrópole vira baleia encalhada e atrasa o crescimento do País
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B1

As grandes regiões metropolitanas, com destaque para São Paulo, andaram na contramão do resto do País nas melhoras dos indicadores econômicos e sociais brasileiros entre 1992 e 2004. ¿São como baleias encalhadas, retardando o desenvolvimento do Brasil¿, diz o economista André Urani, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), no Rio, que fez detalhada análise do desempenho das metrópoles nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domícilios (Pnads) de 1992 a 2004.

As regiões metropolitanas incluem as maiores capitais brasileiras e municípios em suas respectivas áreas de influência, além de conglomerados urbanos como os de Campinas e da Baixada Santista.

Os indicadores das regiões metropolitanas, e particularmente os de São Paulo, são freqüentemente melhores do que os do Brasil como um todo, em termos absolutos, já que estas áreas são, sem dúvida alguma, das mais ricas do País. O que Urani destaca, porém, é a evolução de 1992 a 2004 - enquanto o Brasil foi para a frente, os grande conglomerados urbanos, principalmente São Paulo, ficaram estagnados ou recuaram.

O número de pobres, por exemplo, caiu quase 10 pontos porcentuais no Brasil no período, de 40,8% para 31,7%. Nas regiões metropolitanas, a queda foi muito menor (30,1% para 26,7%). Em São Paulo, o número ficou quase estável (24,2% e 23,5%). Em termos da renda média do trabalho principal, o Brasil saiu de R$ 584,81 em 1992 para R$ 640,36 em 2004, alta de 9,5%. Nas regiões metropolitanas, o crescimento foi de apenas 1,2%, de R$ 868,16 para R$ 878,24. Em São Paulo, houve recuo de 3,1%, de R$ 1.035,97 para R$ 1.003,62.

Um dos dados mais impressionantes da análise de Urani mostra que as regiões metropolitanas tiveram desempenho inverso ao do Brasil na distribuição de renda de 1992 até 2004. No Brasil, o grupo que teve maior aumento de renda real no período foi o dos 10% mais pobres, com ganho de 62,9% no período. O menor foi o dos 10% mais ricos, com aumento real da renda média de 26,40%. Nas regiões metropolitanas, ocorreu o inverso. O menor ganho real, de 10,11%, foi o dos 10% mais pobres. Já os 10% mais ricos tiveram o maior crescimento real de renda no período, de 22,69%. Em outras palavras, nas regiões metropolitanas não só os ganhos reais foram menores do que no resto do Brasil, como também foram mal distribuídos - quanto mais pobre, menos se ganhou.

Para Urani, apenas com investimentos maciços de reconversão econômica, a serem realizados por entidades que reúnam o setor privado, sociedade civil e governo (como parceiro minoritário), será possível reverter a deterioração das grandes metrópoles. Ele observa que processos desse tipo levaram cidades como Nova York, Baltimore, Filadélfia e Barcelona a darem a volta por cima nos últimos anos.

O estudo mostra como o avanço da informalidade foi um fenômeno metropolitano. No Brasil, de 1992 a 2004, incluindo o setor rural, onde há mais informalidade, a participação dos empregados sem carteira assinada na força de trabalho cresceu 2,3 pontos porcentuais, de 21,7% para 24%. Nas regiões metropolitanas, saltou 5 pontos, de 17,6% para 22,6%.

Em São Paulo, o aumento foi de 8,8 pontos porcentuais, com o número dos sem carteira assinada pulando de 14,9% para 23,7%. A informalidade na região metropolitana de São Paulo, que era bem menor que a brasileira em 1992, praticamente alcançou a do resto do País (incluindo a área rural) em 2004.

Segundo Urani, a globalização e a abertura das economias nas últimas décadas do século 20 implodiram o modelo industrial concentrado nas grandes metrópoles, levando à decadência socioeconômica das maiores cidades do mundo. ¿A indústria se deslocou, mudou de endereço¿, diz o economista.

Ele acha que as regiões metropolitanas, por concentrar formadores de opinião e grandes grupos de mídia, acabam nacionalizando o diagnóstico dos problemas, distorcendo a imagem real do País. ¿O tipo de problema na grande cidade não são os problemas brasileiros.¿

Um exemplo típico dessa tendência, para ele, é a visão de que o Brasil passou por um processo de desindustrialização. ¿Não existe isso, o que houve no País foi um deslocamento industrial.¿ Os dados sobre ocupação da Pnad mostram que, no Brasil, a participação do emprego industrial tradicional no total da força de trabalho era de 7,4% em 1992, e manteve-se estável, com ligeiro acréscimo em 2004 (7,6%). Nas regiões metropolitanas como um todo, caiu de 8,6% para 6,6%. Na região metropolitana de São Paulo, seguindo o mesmo padrão de outros indicadores, teve queda mais drástica, de 10,6% para 6,6%. Na participação do emprego industrial de maior teor tecnológico na força de trabalho, a história se repete. No Brasil, houve pequeno crescimento de 5,2% para 5,6% de 1992 a 2004. Nas regiões metropolitanas, recuo de 9,2% para 7,9%, com São Paulo caindo de 15,7% para 12,3%. ¿Não adianta chamar a indústria de volta ao ABC, porque ela não vai¿, diz Urani.

A taxa de desemprego foi um dos poucos indicadores que evoluíram de forma mais ou menos homogênea, de 6,42% em 1992 para 9,01% em 2004, e nas regiões metropolitanas de 9,14% para 13,06%. São Paulo foi particularmente afetada, com o desemprego indo de 10,10% para 13,85%. ¿São taxas piores do que a dos países europeus com piores problemas de desemprego estrutural¿, diz Urani.