Título: No governo do ex-metalúrgico, montadoras aceleram produção
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-torneiro mecânico que construiu sua carreira sindical no ABC, berço da indústria automobilística brasileira, participa amanhã, em São Paulo, de festa em comemoração ao cinqüentenário do setor.

No seu primeiro compromisso após a oficialização da candidatura à reeleição, Lula certamente festejará o bom desempenho da indústria automobilística, que vendeu mais carros no seu governo do que no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Mas também ouvirá as reivindicações das montadoras, que vivem um quadro de contrastes: ao mesmo tempo em que batem recordes de produção e exportação, programam demissões em massa.

Empresários e trabalhadores esperavam mais atenção de Lula, por causa de seu passado de operário ligado ao setor. E insistiram na lista de pedidos de sempre: corte de impostos, queda de juros, crédito favorecido e, mais recentemente, mudanças no câmbio. Mas o governo mostrou-se insensível a esse choro e não contribuiu para desenvolver uma política que ajudasse a melhorar a competitividade do setor e sua inserção no mercado mundial.

A estabilidade econômica sustentou o mercado interno. As vendas de automóveis previstas para os quatro anos de Lula vão superar em quase 13% a soma das vendas no segundo mandato de Fernando Henrique e ficarão apenas 5% abaixo do primeiro mandato, período em que o Plano Real estava no auge e as montadoras bateram recorde anual de vendas em 1997. O setor tem hoje 16,4 mil postos a mais na comparação com o período FHC.

Pouco depois da eleição, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC preparou um plano de sete metas para ser incorporado ao programa de governo, o que não ocorreu. Poucas medidas diretamente ligadas ao setor foram aplicadas. Lula perdeu a chance de desenvolver uma política industrial específica para o setor, como fez há 50 anos Juscelino Kubitschek.

O governo FHC, sacudido por crises internacionais como a asiática e a russa, teve de lançar mão de medidas emergenciais de redução de impostos para dar fôlego à venda de automóveis. Lula adotou igual medida uma vez, em 2003.

¿A ajuda do governo Lula veio da estabilização da economia e da inflação baixa¿, diz o presidente da Citroën do Brasil, Sérgio Habib. No governo atual, a indústria teve crescimento de vendas de 400 mil veículos. Entre 1995 e 2002, nos dois mandatos de FHC, a venda média foi de 132 mil veículos por mês. De 2003 a 2006, pela projeção dos fabricantes para este ano, a média ficará em 136 mil unidades.

Lula ignorou o plano da indústria e dos trabalhadores de dar condições para o lançamento de um novo carro popular com preço inferior ao dos atuais. No seu mandato, a participação dos modelos 1.0 baixou para 55% do total das vendas, depois de ter chegado a mais de 70% no governo anterior. Em seu último ano na presidência, FHC cortou 1 ponto porcentual da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos populares e 10 pontos de versões com motorização até 2.0.

O programa de renovação e reciclagem de carros velhos, discutido desde 1998 e incluído nas sete metas dos metalúrgicos, também foi esquecido. Não foram levadas adiante propostas de implantação do Contrato Coletivo Nacional de Relações de Trabalho e a criação da Câmara Setorial Automotiva. ¿São temas que precisam ser retomados¿, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo. Outro item do plano, de incentivo aos veículos a álcool, foi atendido pelas próprias montadoras, com o desenvolvimento dos motores flex.

Feijóo diz que a renda dos trabalhadores e o nível de emprego cresceram nos últimos quatro anos, inclusive no ABC, sede das principais montadoras. No primeiro ano do governo Lula, as montadoras empregavam 90,6 mil pessoas. Em maio deste ano, são 107,9 mil. O governo FHC começou com 115,2 mil trabalhadores. Ao final, tinha 91,5 mil.

Mas a principal crise enfrentada por Lula no setor terá parte do desfecho no próximo governo. A Volkswagen, maior montadora brasileira, pretende eliminar 6 mil postos de trabalho até 2008, mais do que emprega na fábrica de Taubaté (5 mil) ou do Paraná (4,2 mil). ¿É o mesmo que fechar uma fábrica¿, compara Feijóo.

A Volks alega perda de contratos de exportação por causa do câmbio valorizado, reclamação que se repete em outras empresas do setor. Na opinião de especialistas, o problema vai além do câmbio. A Volks é uma das mais ineficientes em termos produtivos, principalmente na sua maior fábrica, em São Bernardo do Campo, avalia o consultor e presidente do Lean Institute, José Roberto Ferro.

SEM INVESTIMENTOS

Para o consultor Corrado Capellano, da Roland Berger, o resultado do setor não pode ser medido só por números, mas pelo que gerou em investimentos e produtos. ¿Não houve grandes investimentos nesse período, o País não atraiu nenhuma nova plataforma importante nem novas fábricas¿, diz. ¿Foram quatro anos em que a indústria ficou em compasso de espera.¿ No período Fernando Henrique, 13 novas fábricas foram inauguradas no País. Duas já fecharam.

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a média anual de investimentos do setor no governo FHC foi de US$ 1,9 bilhão, montante que caiu à metade na fase Lula. Capellano diz que a maior parte dos novos veículos fabricados a partir de 2003 é de projetos aprovados anteriormente.

Para Capellano, o setor foi negligenciado pela falta de uma política industrial específica. ¿Não foi criada base competitiva para introduzir o Brasil no mercado mundial.¿ A aposta de que o atual governo iria patrocinar a integração regional e assinar novos acordos comerciais não se concretizou. A política cambial, o principal alvo hoje das críticas das montadoras, também leva à perda de competitividade do carro brasileiro, alegam. Até agora, porém, os números são positivos.

De janeiro a maio, o setor exportou US$ 4,6 bilhões, recorde para o período. O impacto da atual política só será sentido nos próximos anos, diz o presidente da Anfavea, Rogelio Golfarb. ¿Por enquanto as exportações ainda crescem, resultado de contratos antigos, mas estão em clara desaceleração. E contrato perdido dificilmente é recuperado.¿