Título: Aeromoça já pensa em ser paisagista
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B8

Foi numa viagem de férias, a caminho da casa da avó, no Rio de Janeiro, que Regina Freitas descobriu o que queria ser quando crescesse. A beleza e o glamour daquelas imponentes moças que serviam os passageiros da aeronave, modelo AVRO, encantou a garota de apenas 9 anos. ¿Elas pareciam umas princesas, bonecas enfeitadas, como a Suzi¿, lembra Regina, hoje com 42 anos de idade e 20 anos de trabalho como aeromoça, boa parte deles na Varig. Com a crise, no entanto, ela já pensa em abandonar a aviação, seu maior sonho desde criança.

Nas décadas de 60 e 70, toda menina queria ser comissária de bordo ou miss. Profissões carregadas de preconceito. Regina lembra que quando decidiu ingressar na carreira, seu pai, um advogado conservador, foi o primeiro obstáculo.

¿Ficou três meses sem falar comigo porque achava que a profissão de comissária não era para mulher por causa das inúmeras viagens.¿ Ela foi firme, no entanto, e não cedeu às chantagens do pai. Fez o curso da EWM Aviation Ground School e, aos 22 anos, começou a trabalhar na Transbrasil, já falida. Passado o deslumbramento da época de criança, Regina começou a ter outras expectativas, como conhecer o mundo.

A Varig era a empresa que conseguiria realizar seus sonhos a partir de 1987, quando foi, enfim, selecionada para trabalhar na então melhor companhia do País. A empresa, cujo futuro hoje é incerto, tinha os melhores serviços de bordo, as refeições menos insossas que as das concorrentes, as aeromoças mais gentis e sorridentes e atuava também no exterior.

Regina passou 14 anos fazendo a rota nacional e 6 anos na internacional. Conheceu Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha e França, entre outros. Conheceu também vários artistas e políticos.

Mas ser uma aeromoça, assim como ser miss, não era para qualquer uma. As exigências eram muitas.

Meninas com altura abaixo de 1,65 metro ou acima de 1,75 metro podiam esquecer o sonho de ser comissária. A explicação, segundo as empresas, era simples: elas precisavam ser altas o suficiente para alcançar o bagageiro, mas nem tanto por causa da altura das aeronaves. No fundo, o que contava mesmo era a elegância.

Uma comissária precisava ter uma estética bonita, ser magra, com pele boa e um sorriso perfeito, afirma Regina. Hoje não há tantos requisitos. Mas o curso exigido é para poucos.

Não se forma uma aeromoça por menos de R$ 2.600,00. O curso, de quatro meses, custa R$ 1.992,00. Soma-se a isso, R$ 130,00 do uniforme, R$ 301,50 do exame médico feito no Hospital da Aeronáutica para Certificação de Capacidade Física e R$ 200,00 para se inscrever na banca examinadora de conhecimentos teóricos da Agência Nacional de Aviação Civil, segundo informações da EWM.

É preciso ter mais de 18 anos, 2º grau completo e algum idioma, de preferência o inglês. O salário para uma aeromoça iniciante está em torno de R$ 1.200,00 mais a variação das horas de vôo. A remuneração sobe conforme o tempo de trabalho da profissional.

A também aeromoça da Varig, Patrícia Godoy, de 37 anos, lembra ainda que é preciso fazer uma avaliação prática sobre a atuação do profissional na selva e no mar. Segundo ela, que atua no grupo há 11 anos, a prioridade para ser uma aeromoça é ser comunicativa e ter uma postura que transmita confiança aos passageiros. Isso sem contar o sorriso constante no rosto, independentemente do humor do passageiro. ¿Já levei um tapa de um chinês porque tentei ajudá-lo a arrumar sua bolsa no bagageiro¿, lembra Regina.

Aliás a hostilidade dos passageiros aumentou com os problemas da Varig. Segundo as aeromoças, eles ficam indignados, intolerantes e até gritam com as aeromoças. Mas, segundo Regina, o padrão Varig é tratar qualquer passageiro, seja da primeira classe ou classe econômica, da mesma forma, com calma, paciência e com o tradicional sorriso no rosto. ¿Mas há sempre aqueles clientes que nos dão força e lutam com a gente nas manifestações para que a Varig volte a ser a companhia do passado¿, diz Regina.

As duas aeromoças da Varig - que conta com 1.600 comissários de bordo - começaram na aviação por um sonho, que hoje vêem transformado em pesadelo.

Patrícia não pretende deixar a profissão, pela qual se apaixonou aos 17 anos na primeira viagem de avião. Quer acompanhar até o fim o processo da Varig e ainda tem esperança de que tudo dará certo. ¿Se a Varig parar, morre um pouco da aviação¿, diz ela.

Regina também espera um ¿gran finale¿ para a empresa que um dia foi a maior e melhor do País. Mas já tem um Plano B caso a situação se complique ainda mais. Fez vários cursos: artes plásticas, decoração e paisagismo. ¿É frustrante, pois adoro voar. Mas em último caso, vou tentar outra profissão.¿