Título: Depois da aftosa, Eldorado renasce
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B12

O despertador estridente, às 5 horas da manhã, é pura música para os ouvidos da faqueira Solange Amorim Magalhães, de 20 anos, mãe de uma menina de 2. Meia hora depois, beija a filha e deixa a casa, pedalando a bicicleta por ruas de terra vermelha, na periferia de Eldorado, extremo sul de Mato Grosso do Sul, a 470 km de Campo Grande. É uma das primeiras a chegar no setor de abate e desossa do Frigorífico Fribrasil, à margem da BR-163, que liga o Estado ao Paraná e ao Paraguai.

¿Estou de volta à minha casa¿, diz Solange. O frigorífico de Eldorado voltou a funcionar no início deste mês, depois de ficar parado desde o surgimento da aftosa, em outubro passado. Nos quase 8 meses de desemprego, Solange acordava às 5 horas todo dia, mesmo sem ouvir o despertador. ¿Batia um desespero¿, conta.

Como ela, a cidade de 15 mil habitantes está superando o trauma da aftosa. Leandro Souzarte, de 24 anos, também foi contratado pelo frigorífico, onde o caldeirista Dauri da Cunha, de 34 anos, espera voltar a trabalhar. Ele faz fila na portaria com outros candidatos à espera da vaga. O laticínio de Eldorado voltou a produzir e contratou 20 pessoas.

Pelo menos 200 criadores de gado de leite estão escoando sua produção, que antes era perdida. O movimento do comércio, que tinha caído mais de 50%, segundo a Associação Comercial e Industrial, começa a voltar ao ritmo normal.

O frigorífico está abatendo 300 bois por dia - quase 50% do movimento anterior - e a chegada dos caminhões boiadeiros animou Maria Eunice Ferreira Pires, dona de uma churrascaria na BR. Ela já pensa em ampliar o salão de rodízio de carnes. ¿Está sempre cheio.¿

O borracheiro Francisco Jordão não tem mais tempo para um cochilo na rede. O vereador José Martins (PDT) disse que a cidade tirou lições da crise. ¿Sofremos muito, mas aprendemos que é preciso diversificar.¿ Segundo ele, a prefeitura se empenhou em trazer a usina de açúcar e álcool que começa a operar em 2008 e vai gerar de 800 a mil empregos.

Apesar da queda na receita, a prefeitura investe na pavimentação de 40 quadras da área urbana. O município aposta também na safra de melancia, que começa a ser cultivada em julho. No ano passado, as barreiras contra a aftosa incluíram produtos vegetais e a fruta encalhou.

¿Fizemos seminário com os produtores e todo mundo se animou para plantar¿, afirma Martins. Em Iguatemi, cidade vizinha também atingida pela aftosa - os dois frigoríficos demitiram 1,5 mil pessoas - o clima é de expectativa com a reabertura do frigorífico União do Iguatemi, antigo Bon Charque.

De acordo com Claudinei José de Oliveira, assessor da prefeitura, na próxima semana serão recontratados os primeiros 100 empregados. Inicialmente, a unidade vai produzir charque, mas o objetivo é retomar as exportações de carne. O Iguatemi também voltou a trabalhar no serviço de abate para um grupo de pecuaristas.

O controle sanitário na região continua rigoroso. Patrulhas fixas e volantes do Iagro, o serviço estadual de defesa sanitária animal, fiscalizam o transporte de bovinos e derivados. Na área interditada, que compreende os municípios de Eldorado, Japorã, Mundo Novo e Iguatemi, os caminhões só podem passar lacrados. Segundo Márcio Margatto, do Sindicato Rural de Iguatemi, tanto rigor não é mais necessário.