Título: O desastre do governo Lula nas Comunicações
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B14

O melhor exemplo do descaso do governo Lula com as Comunicações é a situação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Totalmente acéfala há mais de 15 dias, a agência vive a situação de ¿buraco negro¿, em que seus atos e documentos não podem sequer ser assinados, já que o mandato do presidente interino, Plínio Aguiar Jr., terminou dia 8 deste mês.

Como em outras áreas do governo, a escolha de dirigentes da agência é feita com base em barganhas e disputas partidárias e sindicais. No ano passado, por exemplo, o ministro Hélio Costa vetou o nome do ex-deputado Paulo Lustosa, escolhido pelo PMDB para assumir a presidência da Anatel. E foi radical: ¿Ele só tomará posse se passar sobre meu cadáver¿. Diante do impasse, Hélio Costa e o PMDB optaram por Antonio Bedran, assessor jurídico da Anatel. Mas, aí, entraram em cena os sindicalistas do PT e vetaram Bedran, considerado tucano. Um terceiro candidato à presidência da agência, José Leite Pereira, profissional de carreira, competente e sério, conselheiro-diretor desde 1997, acaba de ser vetado também pelos sindicalistas.

Desprofissionalizada e esvaziada em suas funções, a agência é hoje uma caricatura do que foi no passado. Com os drásticos cortes de orçamento, não pode sequer fiscalizar o uso do espectro de freqüências (e o Brasil tem hoje mais de 20 mil rádios piratas). Seu call center foi interrompido por falta de pagamento aos fornecedores, no ano passado.

TV DIGITAL

O processo de escolha do padrão de TV digital compromete a imagem do País, tamanha a falta de isenção e de ética do ministro Hélio Costa, que há seis meses faz defesa aberta de um dos três padrões concorrentes.

Preocupados com a condução do processo, os ministros Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, e Dilma Roussef, da Casa Civil, resolveram participar mais ativamente das negociações com os representantes dos três padrões - norte-americanos, europeus e japoneses - visando, entre outros objetivos, à instalação de uma fábrica de semicondutores no País. Mas, até aqui, não obtiveram grandes resultados.

Em sua defesa apaixonada da solução japonesa, Hélio Costa chega a ofender investidores e empresas européias que simplesmente propõem alternativas ou sugestões diferentes. Numa dessas explosões, chegou a pedir à Nokia - maior fabricante de celulares do mundo - que saia do Brasil se não quiser apoiar o sistema japonês. É claro que sua atitude foi condenada por outros ministros, pois aquela empresa finlandesa produz no País e exporta quase US$ 1 bilhão em telefones celulares, anualmente.

Se confirmada a escolha do padrão japonês (ISDB), o maior risco para o Brasil é o isolamento internacional, pois o País será o primeiro no mundo a adotá-lo, além do Japão, enquanto o padrão norte-americano (ATSC) já foi escolhido por cinco países e o europeu (DVB) por mais de 100, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT). Nem na América do Sul ou na área do Mercosul, nossos vizinhos estão dispostos a seguir o Brasil.

Nesse clima, sob pressão de Hélio Costa e das emissoras de TV, Lula inclina-se pelo padrão ISDB, até sem a contrapartida da fábrica de semicondutores, e convida autoridades japonesas para vir ao Brasil esta semana, para assinar o acordo. No fundo, ele parece temer algum tipo de represália das emissoras de TV, que apostam no lobby de Hélio Costa.

SEM PROJETO

Sem projeto para o setor, o governo de Lula transformou o Ministério das Comunicações e a Anatel em moedas de troca. O ministério foi dado inicialmente ao PDT, com Miro Teixeira. Depois, ao PMDB, com Eunício Oliveira e Hélio Costa. Investimentos setoriais? Zero. Nem um centavo dos R$ 4 bilhões acumulados pelo Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) foi aplicado em projetos setoriais, como prevê a lei que criou esse fundo.

Na área institucional, o presidente nada fez para aprimorar o modelo vigente, como, por exemplo, elaborar e debater um projeto de Lei Geral de Comunicações capaz de unificar e harmonizar a legislação do setor.

A privatização das telecomunicações - tão combatida pelo PT - tem trazido benefícios extraordinários ao próprio governo Lula, pois, além de ter permitido ao País quintuplicar sua infra-estrutura setorial, aumentou em mais de 300% a arrecadação de impostos nessa área, nos últimos 8 anos.

Confira, leitor. Segundo dados oficiais, levantados pela consultoria Teleco (www.teleco.com.br), o Brasil tinha 24 milhões de acessos telefônicos (fixos e móveis) no dia da privatização da Telebrás, em julho de 1998. Hoje tem 130 milhões. A rede telefônica de 1998 gerava R$ 9 bilhões em impostos, anualmente. A rede atual, muito maior, gerou R$ 31 bilhões, em 2005.

Lula desconhece as prioridades das Comunicações e, pior, recusa-se até a ouvir críticas e sugestões dos petistas mais qualificados nessa área - como os deputados Walter Pinheiro (BA) e Jorge Bittar (RJ). Ambos esperam há meses uma audiência com o presidente.

Em síntese, nenhum outro presidente da República mostrou tanto desprezo pelas Comunicações.

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