Título: TV digital deve elevar déficit de eletrônicos
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B14

O governo deve assinar quinta-feira o acordo para a adoção no País do padrão japonês de TV digital. A transição de tecnologia vai acelerar a adoção de televisores de plasma e cristal líquido, ampliando o rombo na balança comercial do setor eletroeletrônico, que chegou a US$ 7,1 bilhões ano passado. Enquanto os televisores convencionais, com tubos de raios catódicos, têm mais de 60% de nacionalização, nos televisores de cristal líquido este índice fica entre 15% e 20%.

Ano passado, a indústria brasileira de televisores faturou cerca de US$ 3,5 bilhões, vendendo 10,8 milhões de unidades. "Em três ou quatro anos, as TVs de cristal líquido deverão responder por metade do faturamento", diz Benjamin Sicsú, vice-presidente da Samsung e diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Dessa forma, o valor da importação de componentes deve subir de menos de 40% do faturamento para cerca de dois terços.

No mundo, são vendidos 160 milhões de televisores por ano. Apesar de responderem por 15% a 17% das unidades vendidas, os aparelhos de cristal líquido, por serem mais caros, já movimentam, em dólares, o mesmo que os aparelhos de tubo.

As TVs de plasma respondem por 5% a 6% dos aparelhos vendidos no mundo. No Brasil, durante todo o ano passado, foram vendidas 58 mil TVs de plasma e cristal líquido. Somente de janeiro a abril deste ano as vendas ficaram em 80 mil unidades.

O maior incentivo trazido pela TV digital às novas tecnologias de tela será a alta definição. No lugar de 480 linhas que formam a imagem no televisor analógico, a TV digital de alta definição terá 1.080 linhas. O formato de tela será mais largo, com proporção de largura e altura de 16 por 9, ao invés dos 4 por 3 dos aparelhos atuais. A alta definição fez sua estréia comercial no Brasil com a Copa, na TV por assinatura. A TVA e a BandSports transmitem jogos em alta definição. Com o sinal verde do governo, o formato irá migrar para a TV aberta.

"Até existem televisores de alta definição de tubo", afirma Sicsú. "Um modelo de 40 polegadas chega a pesar 200 quilos, enquanto uma TV de cristal líquido do mesmo tamanho pesa de 15 a 17 quilos."

Para minimizar o impacto negativo da transição tecnológica na balança comercial, é importante o esforço do governo de trazer uma fábrica de semicondutores para o Brasil. "Existem mais de 30 países no mundo com fábricas de semicondutores, mas somente quatro produzem telas de cristal líquido: Japão, China, Taiwan e Coréia", destaca Sicsú. "Atrair uma fábrica de cristal líquido seria ainda mais difícil."

Nos próximos anos, o tubo de raios catódicos deve morrer. O Brasil tem duas grandes fábricas: uma da LG Philips, em São José dos Campos (SP) e outra da Samsung, em Manaus. "Nossa fábrica é muito competitiva", afirma Sicsú. "Será uma das últimas a serem fechadas na corporação. É um assunto para ser discutido daqui a seis ou sete anos." A fábrica da Samsung emprega cerca de 2,5 mil pessoas.

"A transição para o plasma e o cristal líquido é uma questão de política industrial", afirma Walter Duran, diretor-executivo do Laboratório Philips no Brasil. de acordo com ele, "é preciso fazer uma compensação, como faz muito bem o Chile, que importa televisores do México e exporta cobre."

Para Duran, o Brasil já perdeu a oportunidade de atrair fábricas de telas de cristal líquido. "Existem poucas no mundo, que estão subutilizadas", explica o executivo. "Elas vão se pagar somente em 25, 30 anos."

O diretor da Philips afirma que uma saída para o País seria se especializar em alguma das tecnologias emergentes de telas, que ainda não chegaram ao mercado, como a que se chama Oled, sigla de Organic Light-Emitting Diode. "Como o Brasil não tem muitos recursos para pesquisas, poderia correr o risco e ficar realmente bom em uma das novas tecnologias", afirma Duran.

Outra possibilidade são os polímeros emissores de luz, que permitem a criação de telas finas e flexíveis, que ficam transparentes quando desligadas. "A tela poderá ocupar uma parede inteira", explica o executivo. "A televisão estará em todo lugar."

Sicsú, da Abinee, defende a criação de uma linha permanente de financiamento para pesquisa em televisão, com existe na área de tecnologia da informação com a Lei de Informática. "A interatividade que o Brasil quer, para promover a inclusão digital, não existe em nenhum lugar do mundo."