Título: Marchas, bloqueios de estradas e muitos mortos
Autor: Leonardo Torres
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Internacional, p. A22

¿Época difícil¿, sopra Justiniano Alvarado Alvarado, com seu rosto sério. Ele ainda enfrenta quatro processos por resistir às ações da força de segurança. A história de maior violência e repressão nas zonas cocaleiras começou em 1988, quando o governo neoliberal de Víctor Paz Estenssoro sancionou a Lei de Substâncias Controladas, que penalizou o cultivo tradicional da folha de coca.

Tudo de acordo com a estratégia de Coca Zero - isto é, a erradicação forçada dos cultivos manipulada pelos EUA dentro do próprio território boliviano. Ante uma mobilização de mais de 5 mil soldados, os cocaleiros do Chapare armaram um longo período de resistência com marchas, bloqueios de estradas e dezenas e dezenas de mortos. Isso até que a queda de Gonzalo Sánchez de Losada, em 2003, mudasse o panorama.

Ao calor de outras lutas movidas por diferentes movimentos vicinais, sindicais e de camponeses indígenas, os cocaleiros arrancaram do governo de Carlos Mesa um acordo - a Ata de Entendimento - que lhes permitiu abrir uma brecha na lei das drogas e conseguir a autorização para cultivar a folha de coca, mas com uma forte limitação: um cato de 1.600 metros quadrados por produtor, para chegar, no total, a um máximo de 3.200 hectares em toda a zona. ¿Não podemos produzir muito, mas este é um momento histórico para nós, porque agora nos respeitam. Antes nos humilhavam¿, diz Alvarado Alvarado, dirigente de Villa Tunari.

UMA TORTA PARA FIDEL

¿Coca no poder¿, pede uma faixa que ficou das eleições na parede da sala de professores de uma escola de Todos Santos, outra zona de cultivo. Para chegar ali é preciso cruzar um rio. Isso pode ser feito a pé, mas há uma canoa com toldo que, por uma moedinha de dois bolivianos, o canoeiro conduz até a outra margem. Em frente fica Tocopilla, e perguntando um pouco se consegue um táxi. O caminho penetra na selva, a selva se adensa e as plantações de coca se alternam com bananais.

O caminho leva até Cuatro Esquinas (é preciso entender que no Chapare não há tantos caminhos que se cruzam), onde um campinho de futebol está sendo usado para secar coca. A ocupação não é longa: com sol forte, as folhinhas estão prontas para ir para a bolsa em três ou quatro horas. Em frente do campinho vivem os López, família cocaleira e só cocaleira. A casa é como quase todas: de madeira, sem portas nem janelas, piso de terra. Na rua, sobre uma lona, também estão secando. O cato fica logo ali, pegado à casa.

¿Ganha-se pouco. Para sobreviver, mais nada¿, queixa-se Victoriano López, de 64 anos, quase todos como cocaleiro. Começou menino como seus netos - José, de 4, e Sonia, ¿quase 5¿ - que ajudam a colher. A coca é colhida folha por folha, com uma bolsa de aniagem presa à cintura. Quando se junta uma boa quantidade, levam-na a micromercados que existem nos povoados, e depois para o mercado geral de Sacaba. Os galpões são administrados pela própria Federação de Cocaleiros. E ali vão comprar os comerciantes que os distribuem pelas cidades. A coca é vendida em bolsinhas, para ser mascada, e tem usos rituais e domésticos.

O chá de coca é de consumo muito difundido e as aplicações medicinais são comuns. Também se pode transformar a coca em farinha. Evo Morales prometeu levar uma torta de coca a Fidel Castro, quando o líder cubano festejar seus 80 anos, em agosto, em Havana.