Título: No auge da crise do mensalão, Lula admitiu candidatura a amigos
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Nacional, p. A8

Foi entre os meses de setembro e de outubro do ano passado, no auge do escândalo do mensalão, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu se candidatar à reeleição. A Lula parecia não haver uma saída honrosa. As CPIs dos Correios e do Mensalão vasculhavam as entranhas do governo e de seus aliados, os partidos de oposição radicalizavam seus discursos, já começava a aparecer a palavra impeachment e se percebia que o ex-ministro José Dirceu teria o mandato parlamentar cassado.

Nesse clima, Lula fazia desabafos, dizendo que pretendiam destruí-lo. E, numa atitude desesperada, intensificou as viagens. No final de setembro e início de outubro, Lula voou como nunca. No dia 28, ele viajou para o sul da Bahia, inaugurou uma fábrica da Veracel Celulose e foi a um acampamento de sem-terra chamado Lulão. De volta a Brasília, passou dois dias entre reuniões com presidentes de países sul-americanos. Em reconhecimento a seus programas sociais, ganhou uma guitarra do roqueiro Lenny Kravitz.

Lula passou dois dias em seu apartamento de São Bernardo do Campo e, no dia 3, encontrou-se com velhos amigos sindicalistas. No dia seguinte, participou de encontro com empresários paulistas no Anhembi. Fez discursos otimistas, procurou ignorar a crise. Não tinha, porém, como fugir do noticiário do rádio e da TV nem das manchetes, sempre com um escândalo novo.

Ao mesmo tempo, Lula recebia o aviso de que mesmo no auge das denúncias a sua popularidade não caíra a ponto de comprometê-lo. Recebeu informações de que o escândalo começaria a arrefecer. A alguns velhos amigos sindicalistas, reservou uma surpresa. Disse que disputaria a reeleição.

"Sou nordestino, um sobrevivente. Bateram para destruir a mim e ao PT. Não conseguiram. Vou lutar e mostrar que não conseguirão destruir nem a mim nem ao PT", desabafou Lula, de acordo com um dos poucos ministros que assistiram à cena do desabafo.

Decidida a disputa pela reeleição, Lula chamou o então ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, e disse a ele que, pelo menos uma vez a cada dez dias, passasse a conceder entrevistas dúbias, deixando no ar que o presidente poderia ou não ser candidato à reeleição. Era uma forma de tentar deixar a oposição confusa.

REFORMA

No auge da crise do mensalão e do caixa 2 do PT, e mesmo depois, Lula nunca deixou de lamentar o que ele considera seu grande erro político. "Eu deveria ter trabalhado por uma reforma política, acabado com a reeleição e aprovado o mandato de cinco anos para presidente. Esse é o tamanho ideal", costuma afirmar Lula para os ministros mais próximos, ainda hoje.

Lula faz ainda outro mea-culpa, por nem ele nem o PT terem preparado uma pessoa para substituí-lo. Os dois petistas mais fortes eram José Dirceu e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Hoje, Dirceu nem direitos políticos tem mais - só vai recuperá-los em 2015. Palocci se chamuscou politicamente depois do escândalo da violação do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que o acusou de freqüentar mansão alugada por lobistas no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, onde havia partilha de dinheiro e festas.

Confidencia uma pessoa muito próxima do Palácio do Planalto que não sobrou alternativa a não ser a candidatura. "Apetite ele tem e sempre teve. Agora, que sua popularidade só cresce, mostra que está disposto a cumprir os quatro anos seguintes", reflete. É bem possível que Lula tente, se sair vitorioso das urnas, mudar o tamanho do mandato presidencial já no início do ano que vem, numa proposta de reforma política que poderá ser ainda mais radical.