Título: Sete anos de metas
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

O Comitê de Política Monetária (Copom) tem dez anos e a política de metas de inflação está completando sete. É período de testes suficientemente prolongado para ajustes, se é para fazê-los.

Antes de aprofundar no tema, é bom relembrar o propósito da política de metas de inflação. Até 1999, prevalecia no Brasil uma forma de câmbio fixo, o câmbio indexado. Sua cotação era rigidamente controlada e evoluía de acordo com a inflação interna, descontada a externa. Os técnicos chamam essa modalidade de crawling peg, algo que poderia ser traduzido como "rastejando amarrado".

O Banco Central fixava os preços pelos quais comprava ou vendia moeda estrangeira. Estava comprometido a comprar as sobras ou a vender os dólares até satisfazer toda a procura.

Essa situação implicava baixíssima capacidade de fixar os juros. Cada compra de dólares pelo Banco Central envolve emissão de moeda, a mesma que serve de pagamento dos dólares; cada venda produz movimento oposto. Isso significa que, a menos que o fluxo de moeda estrangeira também fosse controlado, não havia como ter uma política de juros ativa, porque o Banco Central não tinha como controlar a quantidade de moeda na economia.

Até início dos anos 90, os países em condições de fixar os juros (controle da oferta e da procura de moeda nacional) o faziam por meio do controle dos agregados monetários, o que os economistas chamam de M1, M2, M3, M4, etc. Como o mercado financeiro evoluiu muito, como apareceram os cartões de crédito e o mercado de derivativos ganhou densidade, a melhor forma de controlar a oferta de moeda de modo a garantir um nível predeterminado de juros, passou a ser o sistema de metas de inflação: o governo fixa a meta de inflação e o Banco Central aumenta ou diminui o volume de moeda (aumenta ou diminui os juros) para cumprir a meta.

O câmbio fixo desmoronou em 1999 com o esgotamento das reservas externas. Chegou o dia em que o Banco Central não tinha mais dólares para quem se apresentasse para comprá-los. Ou seja, o Banco Central ficou sem condições de controlar a cotação do dólar. A saída foi liberar o câmbio. O equilíbrio entre oferta e procura de moeda estrangeira passou a ser determinado pelo preço de mercado. A partir do momento em que o Banco Central não precisou mais comprar ou vender dólares e, assim, não precisou mais emitir ou retirar moeda do mercado, criaram-se as condições para a política monetária ativa.

Os juros passaram a ser fixados pelo Banco Central, por meio do Copom, tendo em vista um objetivo (meta de inflação) a cumprir. Se a inflação estiver escapando da meta, o Banco Central retira dinheiro do mercado (aumenta os juros); se a meta estiver sendo cumprida, injeta dinheiro (reduz os juros).

Dá para dizer que o sistema deu resultados. A inflação está há três anos dentro da meta e, mais do que isso, conseguiu dar credibilidade ao Banco Central, na medida em que a expectativa de inflação do mercado passou a coincidir com a meta de inflação. Quando isso acontece, a meta é ainda mais facilmente cumprida porque a convergência desestimula remarcações de preços acima da meta.

Há uma boa discussão sobre se o recuo do dólar no câmbio interno não ajudou mais do que os juros altos a garantir a meta na medida em que derrubou os preços dos produtos importados. O fato é que, se a inflação não estivesse sob controle, a cotação do dólar também não teria escorregado para onde está.

Embora reconheçam a eficácia do programa de metas, economistas de várias escolas formulam críticas ao sistema tal como funciona no Brasil. A mais importante tem a ver com o calendário gregoriano. Acham que, se a meta tiver de ser cumprida ao longo de um mesmo ano civil, o Banco Central fica imobilizado por uma camisa-de-força. Por que não trabalhar com sistema de 12 meses móvel?

Se a inflação fosse de 7% ou mais, essa objeção talvez ainda tivesse sentido. O fato é que, com uma inflação de 4,5% ao ano e dentro da meta, pouca diferença faz trabalhar ou não dentro do ano-calendário.

Outra objeção é a de que, para enquadrar na meta, os juros têm de ser muito altos no Brasil. Mas isso não tem diretamente a ver com o sistema de metas; tem a ver com as mazelas econômicas brasileiras.