Título: O crescente risco de recessão global em 2007
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2006, Economia & Negócios, p. B5

A bolha de liquidez global pode estar explodindo. O que está ocorrendo agora não é só outra correção. Creio que vários mercado em alta poderão ter uma queda de 50% a 70% até que os preços dos ativos globais se normalizem. O Federal Reserve (Fed) e outros bancos centrais estão se voltando para o combate à inflação.

Vários fatores que desencorajaram a inflação nos últimos cinco anos (por exemplo, crises nos emergentes, reforma das empresas estatais da China e a reformulação do sistema bancário do Japão) têm permitido que os principais bancos centrais mantenham juros baixos apesar do forte crescimento. No momento em que esses fatores que desestimulam a inflação desaparecem, os principais bancos centrais terão de diminuir a liquidez para detê-la.

Parte do forte crescimento nos últimos três anos foi tomado emprestado do futuro, porque a liquidez estava artificialmente alta. À medida que a liquidez se normaliza, acredito ser possível uma recessão global em 2007.

Algumas economias emergentes com déficits em conta corrente em expansão têm desfrutado do surto de crescimento pois a bolha de liquidez tem ignorado esses déficits e exagerado suas perspectivas de crescimento. De fato, as bolhas de ativos fazem com que seus fundamentos (por exemplo, fortaleza da moeda e ganhos das empresas) pareçam mais fortes do que seriam se fosse outro o caso. À medida que a bolha de liquidez se desfaz, suas moedas devem enfraquecer e a inflação, acelerar. Os bancos centrais talvez precisem reduzir agressivamente a liquidez para evitar uma crise, o que poderá empurrá-las para a recessão.

A maioria das economias emergentes tem tido superávit em conta corrente neste ciclo, mas seus ativos tendem a serem vendidos sob pressão para evitar prejuízos futuros com os dos outros. Na minha opinião, enquanto suas economias continuarem com capacidade de recuperação, seus bancos centrais talvez não precisem endurecer tanto e suas economias devem ter um bom desempenho durante a futura queda na atividade econômica.

Se for possível identificar um ponto de partida específico para o atual mercado em baixa, pode muito bem ter sido o comentário de Ben Bernanke (presidente do Fed) em 5 de junho. Quando o banco entra no combate à inflação, a liquidez tende a cair e um mercado em queda é só um subproduto. É por isso que acredito que a atual venda sob pressão para evitar futuras queda nos preços. não é uma correção como em 2004 e em 2005. Nas vendas sob pressão anteriores, o Fed e outros bancos centrais não estavam preocupados com a inflação.

A inflação tem constituído um problema no último ano e meio. Creio que os principais bancos centrais têm se recusado a reconhecer a realidade citando um núcleo da inflação baixo que está só alcançando o Índice de Preços ao Consumidor com atraso. Agora, os bancos centrais estão apreensivos em relação a sua credibilidade no combate à inflação e mudaram de idéia abruptamente.

O nível de liquidez livre global (índice de crescimento do dinheiro a curto prazo menos a taxa de crescimento nominal do PIB) aumentou cerca de 60% desde 1996. Choques extraordinários (por exemplo, as crises dos mercados emergentes, a reforma das empresas de propriedade estatal da China e a reforma do sistema bancário japonês) permitiram que o sistema financeiro global estocasse todo esse dinheiro sem gerar inflação. Porém, à medida que os fatores que desestimulam a inflação diminuem, o dinheiro está provocando inflação.

A liquidez global tem sido lenta mas não está declinando nos últimos seis trimestres. No momento em que os principais bancos centrais entram no modo de combate à inflação, o nível de liquidez talvez tenha que cair substancialmente. Não sabemos o quanto do maciço acúmulo de liquidez desde 1996 é sustentável, e o processo de redução da liquidez está apenas começando.

Um crise no mercado emergente poderá marcar o fundo do mercado A vendagem das últimas quatro semanas foi branda. O índice dos mercados emergentes da Morgan Stanley Capital International (MSCI) está em baixa de cerca de 20% em relação ao seu pico de 8 de maio de 2006 , mas está fixo para o ano. O índice subiu 228% de 12 de março de 2003 a 8 de maio de 2006. Até agora, a venda está branda em relação ao surto de crescimento.

Muitos argumentam que os mercados emergentes não são caros nas relações preço-lucro, mas este argumento pode ser inválido. A bolha de commodities exagerou os ganhos dos produtores de commodities que dominam os mercados emergentes. Também, o surto de crescimento de crédito na bolha de liquidez exagerou os ganhos dos bancos, que dominam os mercado emergentes depois dos produtores de commodities. Levando em consideração esses dois fatores, os mercados emergentes parecem bastante dispendiosos em relação aos mercados desenvolvidos e em termos absolutos.

Na minha opinião, uma crise dos mercados emergentes tende a marcar o fim das vendas sob pressão. Várias economias emergentes com déficits em conta corrente em expansão vêm desfrutando do surto de crescimento enquanto os mercados financeiros globais ignoram seus déficits e os alimentam com dinheiro barato. A inflação fortalece essas moedas e diminui suas taxas de juros. O crescimento de crédito resultante tem exagerado sua taxa de crescimento econômica, a qual legitima temporariamente falsas expectativas dos investidores.

No momento em que a liquidez barata acabar, essas economias provavelmente sofrerão com o enfraquecimento da moeda e a aceleração da inflação. Seus bancos centrais talvez precisem elevar as taxas de juros agressivamente para manter a estabilidade, o que poderá empurrá-las para uma recessão e resultar numa significativa venda de ações sob pressão. Vejo potencial para que alguns mercados antes"quentes" tenham uma queda de 50% a70%.

O risco de uma recessão global em 2007 está aumentando.

O grande ponto de interrogação da economia global é o quanto os preços dos imóveis precisam cair. O mais importante efeito do surto de crescimento da liquidez global tem sido a elevação na relação preço-lucro nos imóveis. Se esta relação precisar voltar ao nível de 1996, a economia global poderá sofrer uma grande recessão.

Se formos bonzinhos e admitirmos que metade do aumento é uma reclassificação permanente dos preços das terras em relação aos preços da mão-de-obra, ainda assim o declínio será suficiente para causar uma recessão global de grandes proporções. Se a queda dos preços das propriedades for gradual, como na Austrália e no Reino Unido, a economia global poderá evitar uma recessão total mas experimentará um longo período de crescimento lento.

Mas o pouso suave dos mercados de imóveis na Austrália e nos Estados Unidos deveu-se a uma economia global forte. Será muito mais difícil para a China e para o Reino Unido seguirem o exemplo. Eles são as principais fontes de crescimento global. É por isso que acredito que o risco de uma recessão global em 2007 está aumentando.

Ultimamente, tem estado na moda separar a inflação do crescimento nas discussões macro. Muitos argumentam que o crescimento é mais importante que a inflação. No meu ponto de vista, isso está errado. O que ocorre é o contrário. Se a inflação for baixa, a liquidez pode continuar alta e a especulação financeira pode gerar crescimento.

Como a especulação financeira desempenha um papel tão importante na geração do crescimento, este ciclo tem tudo a ver com inflação. Na minha opinião, quando os principais bancos centrais começarem a se preocupar com a inflação, o jogo acabou.

* Andy Xie escreveu este artigo para o Morgan Stanley - Global Economic Forum